Locomotiva Itapema chegou a Bertioga em 1905, junto com outras duas, a Lavoura e a Mont Serrat; conheça histórias e curiosidades destes patrimônios
Eleni Nogueira
Publicado em 27/03/2025, às 10h09
Na memória afetiva de quem conhece a histórica Vila de Itatinga, em Bertioga, no litoral de São paulo, uma das lembranças mais vivas e bucólicas é, com certeza, a da pequena locomotiva a vapor correndo pelos trilhos, com trilha sonora ritmada pelo peculiar som das caldeiras e do apito estridente perturbando o silêncio da Mata Atlântica. Símbolo de uma era, a locomotiva Itapema, mais conhecida por “bondinho”, começou a operar na linha férrea de Itatinga em 1906 e, depois de 99 anos de trabalho pesado, descansa no gramado da vila, um raro exemplar em exposição permanente ao ar livre.
Desde 2005, este que foi o último tranway a vapor a funcionar no estado de São Paulo, segundo o Museu do Transporte Público Gaetano Ferolla, foi substituído por um trator rodoferroviário movido a diesel. Já não valia mais a pena a sua manutenção e o uso de lenha nos tempos atuais.
O elo da locomotiva com a região começou em 1905. Quando definida a construção da Usina Hidrelétrica de Itatinga, logo surgiu um grande problema: como transportar materiais e trabalhadores pela estreita faixa de mata entre o rio e o sopé da Serra do Mar, até a área escolhida para receber a Casa de Força? A questão foi resolvida com a construção de uma linha férrea, com 8km de comprimento e 0,80cm de bitola, assentada ao longo da futura linha de transmissão de energia, concluída em 1906. Surgia assim, a menor linha férrea do Brasil.
À medida que a obra evoluiu, foram criadas mais duas linhas férreas, uma no alto da serra, no trecho entre a captação até a câmara d'água, com bitola de 0,60cm e 3km de comprimento e, outra, no trecho da linha de tubos, com bitola 0,80cm e 2km de comprimento. Para o transporte de carga, foram adquiridas três locomotivas a vapor (nº 1, 8 e 12) batizadas como Lavoura, Mont Serrat e Itapema, respectivamente, construídas em 1889 pela empresa alemã associada Locomotivfabrik Krauss e Cia. München & Linz.
Com a robustez e a força necessárias para o serviço, elas partiam diariamente do porto fluvial construído à margem do rio Itapanhaú e corriam diariamente pelas linhas, transportando trabalhadores, tubulações, maquinários e o material necessário para a construção da usina. O material vinha do porto de Santos, a 30km de distância, seguindo pelo mar e canal de Bertioga em barcaças, batelões e chatas. Terminada a construção da usina, em 1910, a ferrovia continuou servindo regularmente para o transporte de materiais e funcionários, no atendimento à usina até os dias de hoje.
As outras duas locomotivas tiveram destinos diferentes. A Lavoura encontra-se em exposição no Museu do Porto de Santos, localizado na avenida Conselheiro Rodrigues Alves s/n, em Santos. Já a Mont Serrat foi para Minas Gerais, segundo informado pela Autoridade Portuária de Santos (APS). Ela foi renomeada como “Manuela” e encontra-se na Estação Ferroviária de São Lourenço, com uma menção em placa sobre ser um bem histórico utilizado no porto de Santos.
Após mais de uma década fechada ao turismo, a Vila de Itatinga foi reaberta para visitas públicas em junho de 2024, em passeio de 4 horas de duração. O local histórico, que abriga a usina hidrelétrica responsável por cerca de 30% do abastecimento energético do porto de Santos, pode ser explorado por grupos guiados por monitores ambientais da Abeco (Associação Bertioguense de Ecoturismo) e da Amolb (Associação dos Monitores Locais de Bertioga), únicas autorizadas pela prefeitura.
Construída ao redor da usina hidrelétrica inaugurada em 1910, e projetada por Guilherme Benjamin Weinschenck, a vila abriga 70 casas de arquitetura europeia, uma igreja, padaria, mercadinho, postinho de saúde, escola, campo de futebol e as instalações de um antigo cinema. As visitas ocorrem aos sábados e domingos, em dois horários: das 7h30 às 10h30, e das 13h30 às 16h30. A quantidade máxima é de 20 pessoas por período, com dez vagas por período para cada associação. As inscrições podem ser feitas diretamente com a Abeco, por meio do telefone: (13) 99728 9614 e pela Amolb, no telefone: (13) 99693 7598. Ambas atendem via WhatsApp.
Eleni Nogueira
Jornalista formada em Comunicação Social na Universidade Braz Cubas