Na avaliação de engenheiros, ligação seca deve revolucionar mobilidade urbana da região, mas entorno mal feito poderia prejudicar mobilidade
Thiago dos Santos
Publicado em 22/01/2024, às 08h50 - Atualizado às 09h36
Com o anúncio da Autoridade Portuária de Santos (APS), ligada ao governo federal, de que está prevista para fevereiro a revisão final dos estudos relativos ao projeto do túnel entre Santos e Guarujá, a megaempreitada, autorizada no ano passado, segue dentro do cronograma - que prevê a publicação do edital do projeto ainda este ano e a conclusão das obras por volta de 2029.
Até lá, no entanto, muita água deve correr debaixo dessa ponte. Enquanto isso, moradores, que seriam beneficiados pela construção do túnel, ainda veem com ceticismo a construção, aventada há um século. Engenheiros avaliam que os anos de obras devem ser o período mais sensível para a mobilidade das duas cidades.
A ausência de uma ligação seca entre as duas margens do estuário de Santos é atualmente considerada o maior gargalo de transporte de pessoas e mercadorias do país. As duas ilhas do litoral paulista (Ilha de Santo Amaro e Ilha de São Vicente) são acessíveis, a partir da capital, por rodovias, mas a travessia do canal, de menos de um quilômetro de um lado para outro, em geral é feita por meio de balsa.
Esse é o caminho diário da auxiliar de secretaria Maria Gabriela Lima. “De segunda a sábado, eu saio de moto da Enseada, onde moro, em Guarujá, e vou para o Boqueirão, onde trabalho em Santos”, explica. Gabriela afirma que, normalmente, perde, por dia, entre 40 minutos e uma hora em cada travessia, mas, em dias de chuva ou na alta temporada, quando o fluxo de pessoas aumenta, não é incomum levar até duas horas no percurso. “A gente acaba ficando chateada. Acho que acaba sendo um descaso com a gente que utiliza esse meio [de transporte] todos os dias”.
Diariamente, cerca de 78 mil passageiros fazem o mesmo percurso que Maria Gabriela. A alternativa terrestre é um caminho rodoviário de 45 quilômetros. Estima-se que 10 mil caminhões façam o trajeto diariamente, a maioria com destino ao porto de Santos, por onde saem 30% das exportações brasileiras.
Engenheiros ouvidos pela reportagem afirmam que a construção do túnel, avaliada em cerca de R$ 6 bilhões, tem o potencial de revolucionar a mobilidade urbana entre as duas cidades, além de levar mais eficiência à movimentação no porto. A atual travessia de balsas não condiz com as dimensões do porto de Santos, avalia Eduardo Lustoza, diretor de engenharia da Unisanta e presidente da Comissão do Túnel pela Autoridade Portuária de Santos. “Mais de cinco mil navios operam no porto de Santos anualmente. Cada vez que um navio entra ou sai, o serviço de balsas é interrompido, pois os navios têm preferência de passagem. Com o túnel, essas interrupções serão reduzidas em até 80%”, explica.
Além de liberar o canal para o movimento de embarcações, indiretamente, a construção do túnel deve reduzir o fluxo de veículos e de congestionamentos nas perimetrais do porto e na rodovia, contribuindo para o desenvolvimento do próprio porto, acrescenta o professor.
Para o engenheiro civil e presidente da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Bertioga, Paulo Velzi, a construção também pode impactar positivamente outras cidades da região. “Vai acabar com um problema, inclusive, para nós de Bertioga, e outras cidades da Baixada Santista, que é essa falta de ligação por terra com Santos. Uma travessia na qual hoje você perde, no mínimo, vinte minutos na fila e mais vinte na balsa. Você vai poder passar por baixo com tranquilidade e vai chegar em Santos em menos de cinco minutos”.
Maria Gabriela é cética, mas se anima com a possibilidade de perder menos tempo todos os dias. “Pelo tempo que eu escuto dizer que vai sair esse túnel, hoje eu não acredito tanto. Acho que só vou realmente acreditar quando começarem as obras, mas se realmente for esse tempo de travessia, vai ser maravilhoso. Poder pegar meu filho mais rápido e passar mais tempo com ele”.
Velzi explica que construções eficientes também no acesso ao túnel dependem de bons estudos. “É preciso prudência para ver qual será a interferência urbana dos dois lados, porque você vai criar uma via de trânsito muito rápido, sendo usada por muita gente ao mesmo tempo. Se tem muita gente chegando ao túnel ao mesmo tempo, corre-se o risco de ter congestionamento. De qualquer forma, é muito melhor que a fila da balsa, mas é preciso realmente estudar quais os acessos, qual o tamanho e qual o direcionamento”.
A prefeitura de Guarujá afirma que uma comissão, integrada por mais de 100 participantes da cidade, de Santos, do governo federal, Capitania dos Portos e Autoridade Portuária, estuda como mitigar os impactos durante as obras e os melhores traçados.
“É uma obra importante e estruturante no ponto de vista de conexão metropolitana”, acrescenta a prefeitura de Santos. “[A construção] tem os seus impactos positivos e negativos, sendo os negativos muito mais relacionados às obras e aos desvios no trânsito durante esse tempo de obras e, posteriormente, nos acessos ao túnel”.
Thiago dos Santos
Formado em Comunicação Social na Universidade São Judas Tadeu e estudante de direito na Universidade de São Paulo (USP)