Mergulhadores de todo o Sudeste brasileiro vão para Ilhabela em busca do contato direto com a rica vida marinha, que já foi ameaçada por ex-senador
Em Ilhabela, cidade do litoral norte de São Paulo, a ilha das Cabras é considerada a “meca” do mergulho por praticantes de todo o Sudeste brasileiro, tornando-se o paraíso dos amantes da modalidade, seja amadora ou profissional. É lá onde milhares de mergulhadores já foram batizados, após a conclusão de cursos oferecidos no próprio arquipélago.
Aos finais de semana, centenas de turistas correm para a ilha das Cabras para mergulhar em suas águas transparentes e cristalinas e vivenciar um contato direto com a exuberante vida marinha existente no lugar. Durante a prática do mergulho, é possível encontrar peixinhos multicoloridos, tartarugas, raias, lulas, polvos e robalos.
Tudo isso graças a um decreto municipal de 1992, que transformou o lugar em Santuário Ecológico Marinho, passando a proteger a área da caça e pesca predatórias. A ilha das Cabras é um dos lugares possuidores das maiores áreas marinhas protegidas do estado de São Paulo.
Acompanhe o Costa Norte no Google Notícias
Até mesmo quem nunca mergulhou pode se aventurar por lá. Diversas agências especializadas oferecem cursos ou mergulhos de algumas horas, com snorkel ou cilindro. Mesmo mergulhando apenas com máscara e respirador é possível observar a rica vida marinha e ter contato com milhares de peixinhos.
Mas a experiência do mergulho feito com cilindro é ainda mais encantadora. Após um primeiro contato com os instrutores, checagem das roupas apropriadas e equipamentos, os turistas seguem de bote a partir da praia das Pedras Miúdas, que fica em frente à ilha. Dá até para dispensar o bote e ir a nado, pois a ilha fica a poucos metros da faixa de areia.
Os turistas, então, são conduzidos pelos instrutores por meio de cabos submarinos e, desta forma, emergem até oito metros de profundidade. No fundo do mar, é possível avistar uma estátua de Netuno (na mitologia, o deus romano do mar e das fontes de água), onde são feitos os batismos de mergulho (conclusão dos cursos).
Carcaça de um velho caminhão da década de 1960 também pode ser vista por ali, que, naturalmente, transformou-se em um arrecife artificial, repleto de peixes e outras espécies marinhas.
O lugar foi explorado por cerca de 30 anos pelo ex-senador Gilberto Miranda (que tinha a concessão da ilha por 90 anos) e sofreu diversas intervenções ambientais, até mesmo a tentativa de construção de um heliporto particular, apesar de ser parte integrante do Parque Estadual de Ilhabela. Agora, a Unesco irá desenvolver o projeto IlhaMuseu, em parceria com a Fundação Florestal. Será o primeiro do Brasil.
O objetivo é valorizar os patrimônios cultural e natural do litoral norte, reconhecendo as práticas sustentáveis dos povos tradicionais da região. O novo museu, que deverá ser entregue em 2025, funcionará como local de refelxão sobre a preservação do patrimônio cultural e natural, por meio da realização de estudos e da interpretação de coleções e manifestações da cultura material e imaterial, que estarão presentes em sua museografia.
Crimes ambientais
A ilha das Cabras foi ocupada pelo então senador Gilberto Miranda, na década de 1980, após ele conseguir autorização da SPU (Secretaria do Patrimônio da União) à época. No decorrer dos anos, ele ergueu uma mansão, na qual passava os finais de semana. Também construiu piscina e garagem para motos aquáticas. A ilha sempre foi considerada área de preservação ambiental permanente, portanto, nenhuma obra poderia ter sido realizada. Ele chegou a cercar a ilha com muros de pedras, para evitar que banhistas da praia em frente pudessem acessar o lugar.
Na década de 1990, Miranda acionou deputados estaduais para tentar desvincular a ilha do Parque Estadual de Ilhabela. Desta forma, ele poderia construir um heliporto sem autorização. Mas o projeto de lei foi retirado da pauta por pressão popular.
A primeira denúncia sobre os crimes ambientais, que teriam sido cometidos pelo ex-senador, foi registrada em 1989. Em 1991, o Ministério Público moveu ação civil pública devido à continuidade dos crimes ambientais, até que, em 2022, Miranda foi condenado a pagar R$ 14 milhões em multas e indenizações. É com esse valor que o museu será construído.
Devido à condenação, Gilberto Miranda deixou se ser o “dono” da ilha, que foi reintegrada à União. Diferentemente do que muitos acreditam, nenhuma ilha na costa brasileira possui “dono”. Todas são propriedade da União, que realiza leilões a interessados em “adquirir” as ilhas sob concessão por tempo determinado. Em Ubatuba, por exemplo, a ilha dos Porcos está à disposição por uma bagatela de R$ 26 milhões. O último leilão foi realizado no ano passado, mas não houve interessados.