Pesquisadora da Unifesp revela que, em 2024, as tainhas estão maiores e mais abundantes nas áreas onde são pescadas
Lenildo Silva
Publicado em 27/06/2024, às 09h01 - Atualizado às 09h26
O litoral de São Paulo tem sido palco de um espetáculo natural impressionante. Desde o início do ano, diversos cardumes de peixes, incluindo raias, tubarões, baleias, golfinhos e até tainhas, foram filmados no litoral norte e Baixada Santista, durante o periodo de migração. O fenômeno atraiu a atenção de biólogos, fotógrafos e turistas.
Na quinta-feira passada (20), o surfista e fotógrafo Rodrigo Nattan, de 34 anos, capturou imagens de um cardume de tainhas (Mugil liza) na praia de Pernambuco, em Guarujá. O fotógrafo usou um drone para registrar o momento no qual centenas de peixes saltavam na água, um evento raro na região.
Cardume incomum de tainhas é avistado em Guarujá: “raríssimo nessa região”, diz bióloga pic.twitter.com/wNyXDX8kxO
— Portal Costa Norte (@costanortenews) June 27, 2024
Em entrevista à reportagem, ele relatou que, no dia anterior ao registro, notou a presença de muitas tainhas grandes pulando constantemente, enquanto surfava. Já na quinta-feira, pela manhã, ao observar o mar novamente, viu que os peixes continuavam perto da faixa de areia, a cerca de 100 metros. Ele buscou o drone em casa e capturou as imagens dos cardumes, o que resultou em um registro fantástico.
A pedido da reportagem, a bióloga Dra. Gislene Torrente-Vilara, professora do Instituto do Mar (IMar), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e coordenadora brasileira de um projeto internacional, que estuda a migração da tainha com métodos utilizados para estudo do salmão da Califórnia, analisou as imagens e forneceu explicações sobre o comportamento do cardume. Segundo ela, a migração de cardumes com milhares de tainhas juntas, próximas à costa, tem sido incomum em São Paulo e o cardume avistado na Baixada Santista foi um caso raro nesses anos de estudos.
Aqui no estado de São Paulo é a primeira vez [milhares de tainhas juntas] que acompanho o relato, desde que comecei a trabalhar na região, em 2013. A rota de migração das tainhas inclui a costa do estado de São Paulo e temos, todos os anos, a festa da tainha. Porém, a tainha sempre foi muito tímida nos municípios da Baixada Santista, mas esse ano, em especial, estão aparecendo em maior abundância e com tamanhos muito maiores do que nos anos anteriores”
A especialista ressalta que a literatura considera que há dois grupos de tainhas que migram: um grupo, entre o Rio Grande do Sul até São Paulo (geralmente em grandes cardumes que chegam até a região de Cananeia) e, outro, de São Paulo ao Rio de Janeiro, até a região de Cabo Frio. A migração é parte do ciclo de vida dessas espécies, influenciada por fatores ambientais e, possivelmente, pela pesca.
Torrente-Vilara destacou que, neste ano, a pesca de tainhas tem sido excepcionalmente abundante, com grandes cardumes e alguns espécimes alcançando até 7kg. Ela atribui esse fenômeno às cotas de pesca impostas desde 2018, que limitaram a captura industrial, e que podem ter permitido uma recuperação dos estoques das populações de tainha.
A pesquisadora também mencionou possíveis influências das mudanças climáticas nas correntes marítimas, que podem estar alterando os padrões de migração das tainhas. Segundo ela, este ano, as águas mais quentes das praias também podem ter desempenhado um papel significativo no comportamento das tainhas, apesar de a migração ser regulada, principalmente, por frentes frias que trazem baixas temperaturas da água para desova.
Outro fator é que, desde 2015, houve uma mudança no status de proteção do Arquipélago de Alcatrazes, anteriormente usado para exercícios militares da marinha, como alvo de tiros de canhão, cujos ruídos altos se propagavam pela água e afugentavam os animais. O novo status de Refúgio da Vida Silvestre foi um tiro certeiro para o aumento da presença de animais marinhos na região. A ausência de tiros e bombardeios permitiu que espécies sensíveis, como tainhas, baleias, raias e tubarões, se aproximassem mais da costa.
A migração das tainhas tem grande importância ecológica, cultural e econômica. Ela mantém o equilíbrio dos ecossistemas marinhos, além de ser crucial para a pesca artesanal, que sustenta, com proteína animal, a população de muitas cidades costeiras. Este ano, a abundância de tainhas em alguns locais resultou em um preço mais baixo no mercado, em benefício dos consumidores.
A Dra. Gislene enfatiza a necessidade de monitoramento contínuo, para entender melhor esses fenômenos e adaptá-los às práticas de pesca sustentável. Ela afirma que a ciência ainda não tem todas as respostas, mas a observação de dados e a colaboração com pescadores são essenciais para compreender a dinâmica da migração das tainhas.
Por fim, a pesca da tainha, uma das mais importantes do Brasil, enfrenta regulamentações rigorosas. O Ministério da Pesca e Aquicultura encerrou, no dia 3 de junho, a temporada de pesca de tainha para a modalidade de emalhe anilhado, devido ao alcance de 90% da cota estabelecida para 2024, visando a preservação das espécies.
O emalhe anilhado consiste em uma adaptação das redes de emalhe tradicionalmente empregadas pelos pescadores artesanais na captura da tainha, porém, promove o fechamento da rede no momento da captura e usa o anilhamento para não ocorrer a fuga dos peixes.
Conforme o MPA, já a safra da frota industrial, que é a captura de pescado com utilização de barcos de grandes dimensões, geralmente bem equipados com redes potentes, começou em 1 de junho e seguirá até 31 de julho ou até atingir as cotas estabelecidas. Segundo a nota, em 2024, a modalidade de cerco/traineira poderá contar com até 8 embarcações que, juntas, poderão pescar até 480 toneladas. Já para a pesca de tainha, na modalidade emalhe anilhado, foram concedidas 586 toneladas. As demais modalidades continuam não submetidas ao regime de gestão por cotas de captura ou qualquer outra limitação de volume de captura.
Na mesma semana na qual as tainhas estavam 'passeando' por Guarujá, um grupo de aproximadamente 100 tubarões foi avistado no Arquipélago de Alcatrazes, entre São Sebastião e Ilhabela. Dentre as espécies registradas no local estão o Carcharhinus falciformis (tubarão-seda); Rhizoprionodon porosus (cação-frango) e Sphyrna zygaena (tubarão-martelo-liso). A observação foi feita por mergulhadores e pesquisadores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que estudam a fauna local.
Em entrevista à reportagem, Geraldo de França Ottoni Neto, oceanógrafo e analista ambiental do ICMBio Alcatrazes, disse que os tubarões estão no arquipélago porque lá encontram um ambiente protegido e com abundância de alimento e considerou o avistamento do cardume como algo inédito no Brasil.
🦈 Mergulhadores nadam com cardume 'gigante' de tubarões no litoral de SP
— Portal Costa Norte (@costanortenews) June 20, 2024
Cerca de 100 tubarões foram filmados a 35 km da costa; animais avistados não são perigosos para humanos, diz oceanógrafo
📸: ICMBio Alcatrazes e Capitão Ximango pic.twitter.com/y2kSDMmRs6
Ele disse: “A área é protegida há muitos anos, o que mantém a biomassa e a biodiversidade próximas do original. Acreditamos que a partir de agora será mais comum avistá-los e acompanhar esses animais de perto. Mesmo em lugares como Fernando de Noronha, onde há muitos tubarões, nunca vimos uma concentração tão grande, é algo inédito no Brasil. Isso pode se tornar um novo atrativo para mergulhadores”, concluiu o oceanógrafo.
Ainda no litoral norte, o fotógrafo Rafael Mesquita também registrou um imenso cardume de raias manta (Mobula birostris) na costa sul de São Sebastião, no início do mês passado. Rafael procurava por uma baleia na região quando, ao usar o drone, avistou as raias próximas à costa, um fenômeno descrito como raríssimo.
E por falar em raríssimo, pesquisadores do projeto Baleia à Vista registraram, o que eles chamam de histórico, centenas de golfinhos nariz-de-garrafa interagindo com baleias-jubarte, há cerca de 20km da costa, entre São Sebastião e Ilhabela.
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Lenildo Silva
Estudante de jornalismo na Faculdade Estácio