Pesquisa da Universidade de Santa Catarina busca entender as correntes oceânicas; procedência foi descoberta por agentes do programa Mar Sem Lixo
Lenildo Silva
Publicado em 29/10/2024, às 10h47
Um pedaço de madeira aparentemente comum, mas com a inscrição de dois números de telefone e a mensagem 'ligue caso encontre', surgiu nas redes de um pescador de arrasto de camarão, próximo da praia de Itaguaré, em Bertioga, no litoral de São Paulo. O pescador artesanal Renato da Mota Mangueira conta que foi surpreendido ao encontrar a peça em meio aos camarões e outros lixos.
O pescador participa do programa Mar Sem Lixo, iniciativa da Fundação Florestal que remunera pescadores cadastrados por retirarem lixos do mar. Ele explicou que o pedaço de madeira, coletado há cerca de duas semanas, veio junto com muita sujeira. "Fiquei curioso com o número gravado e, quando chegamos em terra, minha esposa chegou a salvar o contato, mas quando entreguei para o programa, o mistério foi descoberto; a peça fazia parte de um estudo lá de Santa Catarina".
Ao investigar, a Fundação Florestal, responsável pelo programa, identificou que a madeira fazia parte de um estudo e havia sido lançada ao mar pela Universidade Estadual de Santa Catarina (UESC), em 2019. Caio César, agente do programa Mar Sem Lixo, foi quem recebeu o objeto do pescador e fez o contato com os pesquisadores sulistas. Ele destacou que o achado reforça a importância da conscientização sobre o impacto da poluição nos mares. “Se fosse uma latinha ou sacola plástica, poderia ter viajado ainda mais longe. Esse achado só reforça a urgência de combater o lixo marinho”.
Pedro Volkmer de Castilho, biólogo da UESC, esclareceu à reportagem que a madeira encontrada fazia parte de uma série de lançamentos realizados entre 2018 e 2022. Foram usados cerca de 50 pedaços de madeira, cada um identificado com números distintos para rastreamento. Castilho revelou que o objeto achado por Renato carrega o número "II", o que sugere que foi lançado próximo ao litoral do Paraná, possivelmente, na altura de Paranaguá, pois os lançamentos ocorreram em Santa Catarina "I", Paraná "II" e São Paulo "III" e, segundo ele, as peças foram encontradas do Rio de Janeiro até Rio Grande do Sul.
Lançados ao mar em diversos pontos do litoral sul e sudeste do Brasil, os objetos ajudaram a coletar dados para entender como as correntes oceânicas transportam materiais, além disso, a pesquisa faz parte de iniciativas maiores, como os projetos Toninhas e ProToninhas, que visam monitorar não apenas os resíduos, mas também a fauna marinha.
O biólogo contou que usaram peças de madeira porque são biodegradáveis e imitavam o comportamento de resíduos flutuantes. “Ficamos surpresos ao saber que uma dessas peças foi encontrada intacta após tantos anos. Acreditamos que a madeira perdeu sua flutuabilidade e acabou no fundo do mar, sendo resgatada no arrasto do camarão”.
Os dados obtidos com as madeiras, segundo o professor, ajudaram a identificar áreas onde resíduos são mais propensos a se acumular e servem como base para planejar ações de conservação e entender os riscos de poluição para a vida marinha e para as atividades pesqueiras.
A universidade contou com apoio de diversas instituições, como a ONG Mar Brasil, do Paraná, a Universidade de Joinville (UFSC), em SC, além dos institutos Biopesca e Argonauta, que cobrem a Baixada Santista e litoral norte de São Paulo, e colaboraram na coleta e no registro dos pedaços de madeira encontrados. Embora os dados ainda não estejam publicados por questões contratuais, Castilho explicou que os achados são compartilhados entre as instituições envolvidas para orientar estratégias locais de preservação.
O programa Mar sem Lixo foi instituído pela Portaria Normatiza 401/2023, no dia 7 de outubro de 2023, e atua em seis cidades do litoral de São Paulo. Administrado pela Fundação Florestal, o programa tem como objetivo a conservação das Unidades de Conservação (UCs) costeiras e das Áreas de Proteção Ambiental (APAs) do Litoral Sul, Litoral Centro e Litoral Norte. Desde o início de 2024, o programa já coletou cerca de 24,9 toneladas de lixo das águas e mangues paulistas, dos quais 11,7 toneladas foram retiradas do mar e 13,2 toneladas foram recolhidas de manguezais e ilhas durante o período de defeso do camarão.
Em Bertioga, 50 pescadores cadastrados recolheram 4,64 toneladas de resíduos, sendo 2,7 toneladas provenientes do mar e 1,8 toneladas de manguezais e ilhas, de acordo com a Fundação Florestal. Maria de Carvalho Tereza Lanza, gestora da APA Marinha Litoral Centro, destacou que o programa valoriza os serviços ambientais prestados pelos pescadores e que eles são remunerados conforme a pesagem de lixo retirados do mar, podendo chegar R$ 653,00 equivalente a 100 kg. Uma das partes do programa é o monitoramento e a pesquisa dos resíduos retirados do mar. “O estudo avalia a composição dos materiais coletados e sua decomposição por meio da gravimetria”.
A gestora explica que a auditoria e monitoramento de pesquisa do projeto é realizada pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), que revisa protocolos e desenvolve indicadores para avaliar a eficácia das ações. Lucas Barbosa, biólogo auditor do Instituto Oceanográfico da USP, ressaltou que a iniciativa é uma oportunidade para proteger o meio ambiente e a atividade pesqueira, valorizando o oceano como fonte de renda e serviços ecossistêmicos, como a produção de alimentos.
Renato explicou que o lixo marinho atrapalha diretamente a atividade dos pescadores de arrasto. “Tem dias que vem mais lixo do que camarão”, desabafou. Segundo ele, áreas com grande quantidade de resíduos dificultam o trabalho e obrigam os pescadores a buscarem novas áreas de pesca.
Além da questão ambiental, o programa traz benefício econômico aos pescadores, que recebem pagamento mensal pelo serviço. Renato ressaltou que o Mar sem Lixo trouxe alívio econômico para ele e outros colegas. “Esse programa foi uma boa na questão ambiental e financeira porque no final do mês, tem um pagamento extra, de 400 ou 500 reais, e querendo ou não ajuda no orçamento familiar. Os pescadores que participam se sentem satisfeitos, não só pela ajuda financeira, mas também por contribuírem para um mar mais limpo”.
Para fazer parte dos pescadores que já aderiram ao programa e contribuem para o meio ambiente, o gestor do Mar sem Lixo de Bertioga explica que o cadastramento de novos pescadores está sempre aberto para se inscrever. “Os pescadores precisam apresentar documentos de identificação com foto, licença de pesca, documento de embarcação e comprovante de residência”.
Lenildo Silva
Estudante de jornalismo na Faculdade Estácio