DE LIXO EM LIXO

Como pescadores recolheram 2,5 toneladas de lixo do mar no litoral de SP

Projeto remunera pescadores artesanais por lixo recolhido no oceano e gera dados sobre poluição marinha; iniciativa será ampliada em breve

Thiago S. Paulo
Publicado em 31/10/2023, às 16h07 - Atualizado às 20h27

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Iniciativa será ampliada para Bertioga, Guarujá e São Sebastião - Imagem: Reprodução / Fundação Florestal
Iniciativa será ampliada para Bertioga, Guarujá e São Sebastião - Imagem: Reprodução / Fundação Florestal

Em pouco mais de um ano, pescadores artesanais recolheram nada menos que 2,5 toneladas de resíduos do mar no litoral paulista em um programa de preservação marinha. Mais de 90% do lixo recolhido é plástico, apontam dados da Fundação Florestal, que gere o projeto e decidiu ampliá-lo em breve.

“É bastante lixo. No meu barco, por dia, são de dois a três quilos. Bastante, né?”, explicou em entrevista nesta terça-feira (31) Randall Ribeiro, um pescador artesanal de Itanhaém que entrou para o projeto no ano passado. “Sempre lixo miúdo. É mais plástico. Plástico pequeno, colherzinha de plástico, copo”.

Com pescadores de camarão como Randall no centro da iniciativa, o programa, explicam interlocutores da Fundação Florestal, tenta atacar o círculo vicioso da poluição oceânica. Antes, o lixo enroscado nas redes de arrasto dos pescadores só tinha duas destinações possíveis: era devolvido ao mar ou, na melhor das hipóteses, recolhido por conta própria pelos operários marinhos e descartado em lixeiras comuns.

Pescador Randall
Pescador Randall Ribeiro na costa de Itanhaém - Imagem: Acervo 

Agora, nas ainda poucas cidades praianas onde funciona o projeto, os resíduos são entregues em postos de coleta específicos pelos pescadores que, em troca, recebem uma remuneração por quilo de lixo retirado do oceano.

“O projeto incentiva os pescadores a trazerem esse lixo para o continente para destiná-lo corretamente, remunerando-os por este serviço, além de reconhecer o trabalho dos que já o faziam voluntariamente”,  disse à reportagem a Fundação Florestal.

“O negócio é bom, é dez, né?”, avalia Randall. “É muito importante porque, além do benefício que os pescadores recebem, incentiva a recolher o lixo do mar. É um dinheiro que ajuda bastante. Chega no fim do mês dá uma ajudinha. E agora já tem um destino final pro lixo e isso é muito bom”.  

Letícia Quito, coordenadora regional do projeto nas cidades do litoral sul, afirma que, além de complementar a renda dos trabalhadores, deixar de aniquilar espécies marinhas e poluir as águas, o lixo recolhido tem embasado uma série de pesquisas e levantamentos que podem, no futuro, orientar políticas públicas de preservação marinha ainda mais robustas.

pessoas em praia com cartazes
Gestores e participantes do programa no litoral de SP. Imagem: Acervo Pessoal Letícia Quito

“Em pouco tempo, a gente está conseguindo reunir muita informação. Estamos conseguindo dimensionar não só a questão da quantidade, mas também qualificar esse lixo, entender como está prejudicando a pesca e também quais são as marcas mais poluidoras. [São] dados para futuras tomadas de decisão, para políticas públicas e outras políticas interinstitucionais que podem ser fortalecidas a partir destas informações”, esclarece a gestora ambiental.

Com isso, acrescenta ela, dentre outras possibilidades, pode ser possível dialogar e, no limite, responsabilizar empresas cujos resíduos sólidos acabam envenenando o ecossistema marinho.

“Futuramente, a gente pode buscar um diálogo para também passar a responsabilizar as fontes [poluidoras], os principais geradores de lixo, e não só o consumidor como principal responsável pelo combate ou pela resolução do problema”.

Batizado de Mar Sem Lixo, o programa começou em junho de 2022 em Ubatuba, Cananéia e Itanhaém. A partir de 13 de novembro, o projeto embarca também em São Sebastião, Bertioga e Guarujá - informou a Fundação Florestal, que administra o programa por meio das Áreas de Proteção Ambiental Marinhas, as Apas. No litoral paulista elas são três, uma no litoral norte, uma no central e uma no sul.  

pessoas recolhendo lixo
Letícia Quito (centro) em posto de coleta do Projeto Mar Sem Lixo. Imagem: Acervo Pessoal

Na primeira fase do projeto, do início até agora, foram realizadas 288 atividades educativas, com a participação de mais de 1.750 pessoas, explica a Fundação Florestal. “Neste período, foi observado um retorno muito positivo dos envolvidos. Os pescadores, reais protagonistas do projeto, mostraram muito engajamento e entendimento sobre a importância da iniciativa, tanto pela geração de renda quanto pela conservação marinha”.

Letícia, que também coordena a Apa Marinha litoral sul, afirma que o Mar Sem Lixo também reconfigurou o relacionamento entre gestores ambientais e pescadores. “Além da gente estar conseguindo acessar um lixo, um resíduo que está no fundo do mar, que dificilmente seria removido de outras formas, por meio do projeto, temos construído uma relação de mais confiança com os pescadores”.

A gestora ambiental não esconde o orgulho da iniciativa. “Está sendo muito gratificante, ao mesmo tempo estimulante, seguir firme na missão de buscar saídas para a problemática do lixo no mar que é tão grave para a nossa sociedade”.

A expectativa, diz ela, é ampliar ainda mais as ações do projeto no futuro. “A primeira [expectativa] é que realmente [o projeto] mude de categoria para um programa e se torne realmente uma política institucional de longo prazo. Sendo uma medida de longo prazo, a gente consegue envolver mais pescadores, engajar. Já estamos engajando outros municípios, ampliando o público beneficiário.  

Enquanto isso, Randall pesca camarões...E resíduos. “Eu tenho bastante lixo aqui no barco”, afirma, orgulhoso.

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