Pesquisadores do Butantan explicam interação entre parasitas e serpentes; cena foi registrada na Prainha Branca, em Guarujá
Lenildo Silva
Publicado em 27/02/2025, às 16h43
Um flagrante curioso chamou a atenção na Prainha Branca, em Guarujá, no litoral de São Paulo: uma cobra caninana (Spilotes pullatus) carregando dois carrapatos bem alimentados, enquanto se movia pelo quintal de um imóvel. A pedido da reportagem, as imagens registradas na manhã de sábado (22) foram analisadas por Francisco Franco e Ricardo Bassini, doutores e pesquisadores do Laboratório de Coleções Zoológicas (LCZ) do Instituto Butantan.
🐍🔍| Carrapatos são vistos se alimentando de cobra caninana no litoral de SP pic.twitter.com/mClvCHVitH
— Portal Costa Norte (@costanortenews) February 27, 2025
A análise da equipe do LCZ concluiu que os carrapatos pertencem ao gênero Amblyomma e provavelmente fêmeas. Esses carrapatos possuem um aparato bucal especializado, com quelíceras adaptadas para perfurar a pele do hospedeiro, fixando-se em áreas mais moles para se alimentar de sangue e fluidos. O vídeo obtido pela nossa equipe (veja acima) mostra a serpente em um trecho do quintal, ainda com os carrapatos presos ao corpo, na sequência, ela surge no gramado, já sem os carrapatos e apenas com os ferimentos causados pela picada dos parasitas. Ela adentra a mata e segue seu caminho para a natureza.
Ricardo Bassini explicou que a interação entre carrapatos e serpentes, embora comum na natureza, ainda é pouco estudada. “Os carrapatos do tipo 'duro', como os do gênero Amblyomma, permanecem no hospedeiro por alguns dias, geralmente de 3 a 6, antes de se soltarem naturalmente após se alimentarem. As fêmeas então depositam ovos no solo, dando continuidade ao ciclo de vida”, disse o pesquisador.
A equipe do LCZ também explicou que a infestação por carrapatos pode trazer riscos às serpentes, como anemia e, em casos mais graves, a transmissão de patógenos, incluindo protozoários do gênero Hepatozoon e algumas cepas virais. De acordo com os pesquisadores do Butantan, já foram observados casos de serpentes com problemas neurológicos decorrentes desse tipo de parasitismo.
Quanto ao risco de transmissão de doenças, os pesquisadores afirmam que não há evidências de que patógenos transmitidos por carrapatos possam afetar humanos, por meio de mordidas de serpentes. O doutor Francisco afirmou que a serpente é da espécie Spilotes pullatus, popularmente conhecida como caninana, e, por não possuir veneno, é considerada inofensiva a humanos.
Outras espécies de carrapatos, como o carrapato-estrela, podem parasitar em humanos e transmitir febre maculosa, que é uma infecção febril de gravidade variável, com elevada taxa de letalidade. Segundo o Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) de São Paulo, entre junho e novembro, a infestação ambiental por ninfas de carrapato-estrela é alta.
Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan Net), disponível no site da CVE, consta que apenas São Sebastião, no litoral norte paulista, registrou casos de febre maculosa em 2024. Em anos anteriores, a doença transmitida por carrapato foi notificada em Santos: 1 caso (2023); Bertioga: 1 caso (2018); Guarujá: 1 caso (2023); São Sebastião: 1 caso (2019), 2 casos (2023) e 1 caso (2024); Ubatuba: 2 casos (2017), 3 casos (218), 1 caso (2020), 1 caso (2021), 1 caso (2022), e 3 casos (2023).
A infectologista pediátrica Carolina Brites, procurada pela reportagem, destacou a importância da prevenção e identificação precoce da doença. "O grande risco em relação às picadas de insetos nos humanos é porque justamente eles podem transmitir doenças, principalmente, bacterianas. Então, é importantíssimo a gente ter cuidado com o contato com esses carrapatos", explicou. Ela reforçou que doenças relacionadas a carrapatos não se manifestam apenas com reações alérgicas, mas, geralmente, vêm acompanhadas de sintomas sistêmicos como febre, mal-estar, dores no corpo e vômitos.
Para reduzir o risco de infecção, a especialista recomenda o uso de roupas claras, repelentes e evitar áreas com vegetação alta. Além disso, em caso de picada, é essencial remover o carrapato com cuidado, utilizando pinça para evitar que partes do inseto fiquem na pele. “É importante procurar um serviço de saúde para qualquer picada de carrapato, principalmente, em regiões onde há registros da doença”, alertou Brites. Ela ressaltou que a febre maculosa pode evoluir rapidamente e, por isso, é fundamental que qualquer sintoma seja avaliado por um profissional de saúde.
Lenildo Silva
Estudante de jornalismo na Faculdade Estácio