CURIOSIDADE

Fósseis de preguiça-gigante que viveu no Vale do Ribeira são catalogados pela USP

Laboratório da USP trabalhou com ossos de três espécies de preguiça-gigante, que faziam parte da megafauna da América do Sul

Redação
Publicado em 23/05/2024, às 10h40 - Atualizado às 11h05

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Concepção artística da Eremotherium laurillardi, preguiça-gigante que viveu nas Américas há 12 mil anos - Divulgação/Governo de SP
Concepção artística da Eremotherium laurillardi, preguiça-gigante que viveu nas Américas há 12 mil anos - Divulgação/Governo de SP

O bicho-preguiça gigante viveu no Pleistoceno, época geológica de nosso planeta, entre 2,5 milhões e 11 mil anos atrás,  inclusive, em região próxima do litoral de São Paulo. Há cerca de 10 mil anos, um exemplar da espécie andava por uma área do Vale do Ribeira, quando caiu e ficou preso em um local conhecido como Abismo Iguatemi. Isso fez com que parte de sua ossada fosse preservada em perfeito estado.

Esses fósseis foram agora catalogados por pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da USP (Universidade de São Paulo). Os exemplares encontrados oferecem informações preciosas sobre a anatomia da espécie e sobre o meio ambiente do Pleistoceno.

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Os restos fósseis da preguiça Catonyx cuvieri, da família Scelidotheriidae, foram encontrados em 1999, na primeira expedição ao Abismo Iguatemi, na região sul do estado de São Paulo. O úmero completo (braço), um rádio (parte do antebraço) e uma falange intermédia (osso do dedo) do animal estavam no acervo do Laboratório de Paleontologia Sistemática do Instituto de Geociências (IGc) da USP.

A ossada foi estudada durante os últimos anos, pelos pesquisadores do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH) do IB, coordenado pela professora Mercedes Okumura, e catalogados em artigo publicado recentemente. Esse indivíduo Catonyx era um jovem adulto, sem doenças evidentes. De acordo com as medidas dos ossos, era um animal robusto, um dos representantes da megafauna brasileira.

Osso de Catonyx
De acordo com as medidas dos ossos, preguiça-gigante era um animal robusto - Divulgação/Governo de SP

A espécie Catonyx cuvieri deixou vestígios em uma área biogeográfica restrita à região oriental da América do Sul, Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil, e Uruguai; provavelmente, conviveu com seres humanos. Essas preguiças terrestres, por serem animais grandes, viviam em ambientes típicos de cerrado em transição, com florestas densas, chamados de ecótonos. Artur Chahud, pesquisador do LEEH e autor do artigo, explica: “Há hipóteses de que, nos últimos 14 mil anos, já houvesse floresta na região, porém, se ela estivesse consolidada, dificilmente esses animais a habitavam. O que dá a entender que o bioma estaria em fase transicional de floresta com o cerrado, favorecendo a entrada desses animais maiores, que se alimentavam de vegetações típicas do cerrado”.

Segundo os pesquisadores, a análise de materiais fósseis é sempre desafiadora, pois nem sempre os ossos estão íntegros. Muitas vezes, estão quebrados ou com incrustações.  Diz Gabriella Pereira, estudante de graduação do IB e uma das autoras do artigo: “Ficamos horas e horas analisando o material, pensando ‘isso é do osso mesmo ou será que aconteceu alguma coisa no ambiente que danificou esse material?’”.

No caso dos materiais coletados da Catonyx, os ossos são praticamente o modelo padrão, devido ao perfeito estado de conservação que mantiveram, até serem encontrados pelas expedições. “O Abismo Iguatemi é uma caverna vertical. Ele (o animal) caiu, mas ficou muito protegido, apesar de não estar inteiro. É um abismo que favoreceu a preservação das peças”, explicou Artur.

Nos últimos anos, os pesquisadores também trabalharam com materiais fósseis que não tiveram tanta sorte assim. Esse é o caso do fêmur da preguiça terrestre argentina, da família Nothrotherium, que foi encontrado com incrustações e fraturas superficiais. Essa ossada foi descoberta em uma expedição ao Abismo Ponta de Flecha, também no Vale do Ribeira, em 1980. O material ficou 40 anos sem identificação no acervo do IGc, até que o LEEH o requisitou para estudo e o definiu como o primeiro indivíduo da espécie encontrado no Brasil.

Apesar de haver outras espécies da mesma família, que já foram encontradas no Brasil (como o Nothrotherium maquinense), o material do estudo apresenta semelhança com algumas espécies antigas de Megalonychidae encontradas na Argentina. Artur diz: “Imagine a nossa surpresa ao pegarmos o material e encontrar uma preguiça que só existia na Argentina e que nunca tinha sido vista aqui, guardada em uma gaveta por tantos anos”. Assim, os pesquisadores publicaram uma nova ocorrência do animal, o que ampliou a área biogeográfica da espécie.

Pesquisadores da USP
Pesquisador Artur Chahud e a estudante Gabriella Pereira com os fósseis de preguiça-gigante - Divulgação/Governo de SP

Apesar de não ter sido feita a datação de carbono-14, para saber a idade geológica do material, esse Nothrotherium sp. provavelmente viveu entre o Pleistoceno e o Holoceno (de 11 mil anos atrás até o presente). Era um jovem adulto robusto, que tinha, em média, 2 metros de altura.

Também no Abismo Ponta de Flecha, foram encontrados fósseis de um Eremotherium, outra espécie de preguiça-gigante terrestre, que tinha cerca de 4 metros de altura. O material analisado foi um calcâneo (calcanhar) de um indivíduo em fase de crescimento; o artigo foi aprovado e aguarda publicação.

Todas essas espécies de preguiças-gigantes (Catonyx, Nothrotherium e Eremotherium) não eram arborícolas, como as preguiças que conhecemos hoje em dia. É possível determinar isso pelos tamanhos, improváveis de se manterem em cima de árvores por muito tempo.

A partir desse material etiológico dos animais que viveram no passado, é possível supor como era a fauna do ambiente onde eles viviam. “A implicação que tiramos dos materiais é que é inviável um animal desse vivendo em uma floresta densa, o que é típico de animais muito grandes”, resume Gabriella.

Os acervos

O laboratório trabalha com materiais de acervo, peças que foram encontradas em expedições e aguardam pesquisadores especializados para analisar as espécies e fazer a datação. Para Artur Chahud, “sem elas (as coleções), não fazemos nada”. Apesar de serem materiais recolhidos no passado, eles ainda têm importância no presente, como é o caso da ossada do Nothrotherium, que esperava há 40 anos. Segundo a professora Mercedes Okumura, “muita gente pensa que museu é um depósito de ‘coisa velha que não serve para nada’, mas essas coleções podem e devem ser estudadas, sob diferentes abordagens, e podem servir para criar conhecimento novo”.

Com informações de Governo de SP

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