DESIGUALDADE

Bilionária, cidade do litoral de SP tem cerca de 30% da população em favelas

Com 84 mil habitantes, São Sebastião abriga maior favela da região do Vale do Paraíba. Ao menos 24.619 pessoas vivem em morros, segundo IBGE

Reginaldo Pupo
Publicado em 12/11/2024, às 14h26

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Área desmatada para construção irregular de casas no sertão de Cambury, em São Sebastião - Reginaldo Pupo
Área desmatada para construção irregular de casas no sertão de Cambury, em São Sebastião - Reginaldo Pupo

Apesar de seu orçamento bilionário, o município de São Sebastião, no litoral norte paulista, com 84 mil habitantes e R$ 1,8 bilhão previstos para 2025, tem cerca de 30% de sua população morando em favelas, a maioria localizada em encostas da Serra do Mar e em áreas de risco de deslizamentos e enchentes.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgados na sexta-feira (8), com base no Censo realizado em 2022, são 24.619 pessoas que vivem em condições precárias, em 23 favelas espalhadas pelos morros da costa sul e região central, o que representa 29,3% da população.

Ainda segundo o instituto, além de São Sebastião reunir o maior número de favelas do litoral norte e Vale do Paraíba, este último, região administrativa a qual pertence, o município também possui a mais populosa delas, no bairro Itatinga, na zona central, com 5.456 habitantes. É maior que a favela do Rio Comprido (1.775 moradores), a mais numerosa de São José dos Campos, com 724 mil habitantes.

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Favela do Itatinga, em São Sebastião, a maior do litoral norte e Vale do Paraíba - Foto Reginaldo Pupo (5)

Os números refletem décadas de invasões desordenadas – e descontroladas -  nos bairros da região sul de São Sebastião, que, curiosamente, contrastam com as casas, condomínios de luxo e mansões à beira-mar, pertencentes a empresários milionários que, juntos, somam cerca de 55% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.

E são justamente nos bairros de classe média alta, como Maresias, Baleia, Juquehy e Cambury, que ficam os maiores bolsões de pobreza. Os moradores de baixa renda, obrigados a morar nos morros por falta de áreas regularizadas, ou por causa da situação financeira, geralmente são atraídos para a região pela construção civil, em franca atividade.

Foi na região sul da cidade que 64 pessoas morreram após deslizamentos de terra em fevereiro do ano passado. A maioria das casas atingidas foi construída em áreas invadidas e em zonas de alto risco.

Procedência

A maioria dos invasores é proveniente de estados do Nordeste e de Minas Gerais. Inclusive, há bairros inteiros com moradores vindos de alguns desses estados, como a Vila Baiana, que surgiu após a chegada de moradores da Bahia; e a Vila Tropicanga, que, curiosamente, foi formada por moradores oriundos da cidade de Coaraci, também na Bahia. A maioria dos mineiros, que habitam a região sul de São Sebastião, veio especificamente da cidade de Teófilo Otoni.

No início dos anos 2000, as invasões ocorreram com auxílio de políticos, que facilitavam a chegada dos invasores em troca de votos, com a promessa de futura regularização fundiária. A prefeitura, à época, lançou várias ofensivas contra as invasões, demolindo casas já prontas ou em início de construção, com autorização da Justiça.

Poucos anos depois, as áreas invadidas foram protegidas com a criação das Zeis (Zonas de Especial Interesse Social), que destinaram aos invasores as terras para uso, ocupação e parcelamento do solo. Tudo oficializado. Apesar de o projeto congelar novas invasões, pouco tempo depois, outras áreas, longe da jurisdição das Zeis, foram invadidas.

O município de São Sebastião, que possui 120km de extensão, de ponta a ponta, é espremido entre o mar e a serra; não oferece muitas áreas planas para a construção de novas moradias, o que favorece o crescimento desordenado e desenfreado e que resulta na ocupação dos morros.

Crescimento previsto

Em novembro de 2015, o ICC (Instituto de Conservação Costeira) já havia registrado crescimento de 62% nas invasões, somente no sertão da praia da Baleia, em uma comunidade conhecida como Baleia Verde, em relação aos quatro anos anteriores àquele ano. A praia possui o metro quadrado dos mais caros do país. O agravante, segundo o instituto, é que as invasões ocorreram no entorno da Apa (Área de Proteção Ambiental) Baleia/Sahy, criada em 2013, justamente para evitar invasões. Ainda em 2015, o instituto já previa um crescimento 10 vezes maior até 2025.

A Apa, que é cogerida pelo ICC e a prefeitura, possui um milhão de metros quadrados e abrange cinco importantes ecossistemas, além de 87 espécies de animais catalogadas com algum grau de extinção, segundo o instituto. A diretora executiva do ICC, Maria Fernanda Carbonelli, alerta: “As novas ocupações irregulares, que surgem da noite para o dia, não têm as mínimas condições estruturais, como abastecimento de água, que são captadas clandestinamente de cachoeiras e rios, e ausência total de esgotamento sanitário. Juntamente com as invasões, o instituto vem registrando o crescimento da violência e a falta de policiamento”.

Desde 2013, quando foi fundada, a entidade tenta reverter o quadro;  colocou em prática ações para tentar conter novas invasões, com vistorias para detectar focos de invasões. Fernanda explica que, logo nos primeiros vestígios de vegetação suprimida, que daria lugar a um novo barraco, são feitos relatórios a partir dos registros fotográficos aéreos e terrestres para que ações sejam coordenadas juntamente com a Polícia Ambiental ou prefeitura, para evitar nova construção clandestina. Tudo é encaminhado ao Ministério Público. Esses trabalhos já resultaram em diversas demolições nos últimos anos. 

“Se nada for feito, em pouco tempo, teremos mais praias repletas de esgoto e bandeiras vermelhas e rios poluídos, impossibilitando que as novas gerações possam nadar livremente. As ocupações clandestinas também podem causar a desvalorização imobiliária na região e mansões, que hoje valem R$ 5 milhões, em poucos anos, valerão R$ 500 mil”, prevê Fernanda.

Ainda no litoral norte

Os dados do IBGE também revelam crescimento de favelas nos outros municípios do litoral norte. Segundo o instituto, são 5.601 moradores em condições precárias em Caraguatatuba; 6.833, em Ilhabela; e 16.382 pessoas nas mesmas condições em Ubatuba. As quatro cidades do litoral norte paulista concentram cerca de 50% das favelas existentes no Vale do Paraíba e Região Bragantina que, juntas, somam 3.035.806 habitantes. São 88.227 pessoas vivendo nesses locais, número que equivale a 2,91% do total da população das três regiões.

Procurada, a prefeitura de São Sebastião não retornou os contatos da reportagem.

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