Com 84 mil habitantes, São Sebastião abriga maior favela da região do Vale do Paraíba. Ao menos 24.619 pessoas vivem em morros, segundo IBGE
Apesar de seu orçamento bilionário, o município de São Sebastião, no litoral norte paulista, com 84 mil habitantes e R$ 1,8 bilhão previstos para 2025, tem cerca de 30% de sua população morando em favelas, a maioria localizada em encostas da Serra do Mar e em áreas de risco de deslizamentos e enchentes.
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgados na sexta-feira (8), com base no Censo realizado em 2022, são 24.619 pessoas que vivem em condições precárias, em 23 favelas espalhadas pelos morros da costa sul e região central, o que representa 29,3% da população.
Ainda segundo o instituto, além de São Sebastião reunir o maior número de favelas do litoral norte e Vale do Paraíba, este último, região administrativa a qual pertence, o município também possui a mais populosa delas, no bairro Itatinga, na zona central, com 5.456 habitantes. É maior que a favela do Rio Comprido (1.775 moradores), a mais numerosa de São José dos Campos, com 724 mil habitantes.
Os números refletem décadas de invasões desordenadas – e descontroladas - nos bairros da região sul de São Sebastião, que, curiosamente, contrastam com as casas, condomínios de luxo e mansões à beira-mar, pertencentes a empresários milionários que, juntos, somam cerca de 55% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.
E são justamente nos bairros de classe média alta, como Maresias, Baleia, Juquehy e Cambury, que ficam os maiores bolsões de pobreza. Os moradores de baixa renda, obrigados a morar nos morros por falta de áreas regularizadas, ou por causa da situação financeira, geralmente são atraídos para a região pela construção civil, em franca atividade.
Foi na região sul da cidade que 64 pessoas morreram após deslizamentos de terra em fevereiro do ano passado. A maioria das casas atingidas foi construída em áreas invadidas e em zonas de alto risco.
A maioria dos invasores é proveniente de estados do Nordeste e de Minas Gerais. Inclusive, há bairros inteiros com moradores vindos de alguns desses estados, como a Vila Baiana, que surgiu após a chegada de moradores da Bahia; e a Vila Tropicanga, que, curiosamente, foi formada por moradores oriundos da cidade de Coaraci, também na Bahia. A maioria dos mineiros, que habitam a região sul de São Sebastião, veio especificamente da cidade de Teófilo Otoni.
No início dos anos 2000, as invasões ocorreram com auxílio de políticos, que facilitavam a chegada dos invasores em troca de votos, com a promessa de futura regularização fundiária. A prefeitura, à época, lançou várias ofensivas contra as invasões, demolindo casas já prontas ou em início de construção, com autorização da Justiça.
Poucos anos depois, as áreas invadidas foram protegidas com a criação das Zeis (Zonas de Especial Interesse Social), que destinaram aos invasores as terras para uso, ocupação e parcelamento do solo. Tudo oficializado. Apesar de o projeto congelar novas invasões, pouco tempo depois, outras áreas, longe da jurisdição das Zeis, foram invadidas.
O município de São Sebastião, que possui 120km de extensão, de ponta a ponta, é espremido entre o mar e a serra; não oferece muitas áreas planas para a construção de novas moradias, o que favorece o crescimento desordenado e desenfreado e que resulta na ocupação dos morros.
Em novembro de 2015, o ICC (Instituto de Conservação Costeira) já havia registrado crescimento de 62% nas invasões, somente no sertão da praia da Baleia, em uma comunidade conhecida como Baleia Verde, em relação aos quatro anos anteriores àquele ano. A praia possui o metro quadrado dos mais caros do país. O agravante, segundo o instituto, é que as invasões ocorreram no entorno da Apa (Área de Proteção Ambiental) Baleia/Sahy, criada em 2013, justamente para evitar invasões. Ainda em 2015, o instituto já previa um crescimento 10 vezes maior até 2025.
A Apa, que é cogerida pelo ICC e a prefeitura, possui um milhão de metros quadrados e abrange cinco importantes ecossistemas, além de 87 espécies de animais catalogadas com algum grau de extinção, segundo o instituto. A diretora executiva do ICC, Maria Fernanda Carbonelli, alerta: “As novas ocupações irregulares, que surgem da noite para o dia, não têm as mínimas condições estruturais, como abastecimento de água, que são captadas clandestinamente de cachoeiras e rios, e ausência total de esgotamento sanitário. Juntamente com as invasões, o instituto vem registrando o crescimento da violência e a falta de policiamento”.
Desde 2013, quando foi fundada, a entidade tenta reverter o quadro; colocou em prática ações para tentar conter novas invasões, com vistorias para detectar focos de invasões. Fernanda explica que, logo nos primeiros vestígios de vegetação suprimida, que daria lugar a um novo barraco, são feitos relatórios a partir dos registros fotográficos aéreos e terrestres para que ações sejam coordenadas juntamente com a Polícia Ambiental ou prefeitura, para evitar nova construção clandestina. Tudo é encaminhado ao Ministério Público. Esses trabalhos já resultaram em diversas demolições nos últimos anos.
“Se nada for feito, em pouco tempo, teremos mais praias repletas de esgoto e bandeiras vermelhas e rios poluídos, impossibilitando que as novas gerações possam nadar livremente. As ocupações clandestinas também podem causar a desvalorização imobiliária na região e mansões, que hoje valem R$ 5 milhões, em poucos anos, valerão R$ 500 mil”, prevê Fernanda.
Os dados do IBGE também revelam crescimento de favelas nos outros municípios do litoral norte. Segundo o instituto, são 5.601 moradores em condições precárias em Caraguatatuba; 6.833, em Ilhabela; e 16.382 pessoas nas mesmas condições em Ubatuba. As quatro cidades do litoral norte paulista concentram cerca de 50% das favelas existentes no Vale do Paraíba e Região Bragantina que, juntas, somam 3.035.806 habitantes. São 88.227 pessoas vivendo nesses locais, número que equivale a 2,91% do total da população das três regiões.
Procurada, a prefeitura de São Sebastião não retornou os contatos da reportagem.