SEGUNDA RENDA

Turismo de Base Comunitária beneficia pescadores e cidade do litoral de SP

‘Rota Caiçara’ aproxima turista do modo de vida local e ganha força em Maresias e Boiçucanga, na costa sul de São Sebastião; conheça os passeios

Rebeca Freitas
Publicado em 10/11/2023, às 12h45 - Atualizado às 13h27

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Canoa a remo é tradição viva na comunidade ribeirinha de São Sebastião - PMSS
Canoa a remo é tradição viva na comunidade ribeirinha de São Sebastião - PMSS

O Turismo de Base Comunitária (TBC) existe no Brasil há 15 anos com objetivo de conservar culturas locais, fortalecendo a economia das comunidades, que preservam suas riquezas naturais e históricas. Em São Sebastião, a Rota Caiçara é um importante exemplo de TBC. Passeios com saídas das praias de Boiçucanga e Maresias, na costa sul da cidade, oferecem uma imersão na cultura local, aproximando o turista do modo de vida da população sebastianense. 

De acordo com a prefeitura do município, o TBC foi implementado em São Sebastião em 2021. Na época, a cidade criou a primeira Lei de Apoio ao Turismo de Base Comunitária do estado e realizou a capacitação Turismo de Base Comunitária (TBC) – Orientador de Visita desenvolvida pelo SENAC, especialmente para os caiçaras.

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Visitas a ilhas fazem parte dos itinerários da Rota Caiçara - Rafael Maeco 

Na rota, há experiências de pesca, visitas às ilhas próximas das praias, contato com moradores antigos e com a culinária tradicional. Visitantes têm oportunidade de conhecerem artesãos e o artesanato caiçara. Tudo isso guiado por pessoas que conhecem a história de São Sebastião como ninguém: cidadãos que nasceram e cresceram lá, e tiram da cidade seu sustento. 

Para Rodrigo de Melo, responsável por passeios em Boiçucanga, o TBC é uma forma de complementar a renda da comunidade ribeirinha. “Como a pesca hoje está mais fraca, temos que correr um pouco para o turismo. Fizemos esse projeto juntando vários passeios; por exemplo: tem a visitação do cerco flutuante, onde o turista vivencia como é a vida do caiçara. A gente vai até o cerco, que é uma armadilha de peixes das antigas, de 1940. Lá a gente explica a história para o turista, ele vê com os próprios olhos os pescadores puxando a rede e o peixe que vem, e os peixes que soltamos”, explica. 

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TBC é alternativa para substência da população ribeirinha, com pesca cada vez mais escassa - PMSS

Rafael Maeco atua na Rota Caiçara em Maresias e compartilha a visão. “O Turismo de Base Comunitária desempenha um papel fundamental na vida da comunidade local caiçara. Por meio dele, conseguimos não apenas nos manter, mas também compartilhar a experiência que herdamos do mar, uma tradição passada de geração em geração, pelos nossos pais e tios. Desde criança, vivemos ligados ao mar, praticando o surfe e a pesca. Se não fosse pelo Turismo de Base Comunitária, eu estaria trabalhando em um condomínio, dedicando o dia inteiro a uma profissão que não me permitiria estar onde mais amo: no mar, pescando. Atualmente, com os desafios da pesca industrial e os impactos do pré-sal na bacia de Santos, a quantidade de peixes tem diminuído muito. Como pescadores artesanais, não somos parte da indústria. A modernização dos barcos de pesca, equipados com tecnologia de última geração, resulta na limpeza do mar, deixando pra gente apenas as migalhas”, lamenta. 

São Sebastião é pioneira na região, capacitando comunidades tradicionais para atuar com o TBC. Para a secretária de turismo, Adriana Balbo, a Rota Caiçara é uma maneira dos nativos reafirmarem tradições do município. “O Turismo de Base Comunitária no nosso município desempenha um papel fundamental na promoção do desenvolvimento sustentável e na preservação da cultura local. Com o TBC também temos geração de emprego e renda ocasionando um crescimento econômico, além de dar o devido destaque para as tradições, a gastronomia, a música e as artes locais, enaltecendo assim a rica cultura sebastianense e os caiçaras”, constata.

Rota Caiçara em Boiçucanga 

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Barcos são meio de transporte para que turistas conheçam a rotina caiçara - PMSS

Em Boiçucanga, o passeio começa com um bate-papo com uma das moradoras mais antigas da região, que conta a história caiçara – como viviam, costumes, divisão de tarefas, aspectos da religião e o que aconteceu com o povo caiçara com o passar dos anos – acompanhado de café da manhã típico, com café coado na garapa e bolinho de taioba.

“Uma parte bem importante do passeio é a contação de histórias com a dona Lavínia, uma mulher super antiga da região, de família tradicional. Ela conta a história de Boiçucanga, histórias de antigamente, tudo com base em documentos. Como a história da Ilha dos Gatos, que foi da família Rockefeller, com base em documentação”, diz o guia Rodrigo de Melo. 

“Depois do café caiçara com garapa e um bolinho especial de taioba escutando as histórias da dona Lavínia, a gente sai para o rolê”, revela Rodrigo. A sequência é composta por um passeio de barco que percorre pontos como o cerco flutuante – onde é explicada a arte da pesca que forma como um labirinto fixo no mar – e a Ilha dos Gatos, que até hoje abriga as ruínas da casa construída pela família Rockefeller na época da Segunda Guerra.

Melo afirma que o curso de Turismo de Base Comunitária recebido foi essencial na formulação da Rota Caiçara. “Tivemos o apoio de dois profissionais da área que ajudaram a formar a Rota, foram mais ou menos seis meses até acertar tudo, inúmeras reuniões online. Tínhamos uma profissional cuidando das mídias sociais”, explica. 

Quem quiser realizar os passeios em Boiçucanga pode entrar em contato com o guia Rodrigo de Melo pelo telefone (12) 98261 4502. 

Rota Caiçara em Maresias 

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Turistas têm a oportunidade de fazer um tour guiado e conhecer lugares incríveis - Rafael Maeco

Rafael Maeco faz Turismo de Base Comunitária na Praia de Maresias desde 2021, mas tem participação no turismo do local há 19 anos e sempre trabalhou com os chamados banana boats. Filho e neto de pescadores, ele ainda hoje pratica pesca artesanal de cerco flutuante e tresmalho, utilizados para capturar peixes característicos da região, como a tainha. Além de Rafael, existem mais três pessoas da comunidade guiando os passeios. Há possibilidade de escolher entre três percursos, com preços que variam de R$140 e R$ 200. 

Maeco destaca a importância do passeio ser conduzido por um guia. “O diferencial da Rota Caiçara é que não largamos ninguém. Em qualquer um dos três passeios, não deixamos as pessoas na praia ou na ilha sem supervisão, realizamos o passeio de forma monitorada. Eu guio o visitante, mostrando cada detalhe. Acredito que investir no guia é crucial. Não só porque ele te levará aos melhores e mais seguros lugares, mas também economiza seu tempo. Com minha experiência, consigo proporcionar ao turista a chance de explorar tudo o que levaria um dia ou dois para conhecer em apenas meio dia. Então o custo-benefício de ter um guia é muito bom”, avalia. 

A pesca realizada pela população local tem como característica preservar espécies marinhas que não são utilizadas na alimentação. "A gente sai da Praia de Maresias, apresenta o cerco para os turistas, explica um pouco da história de como ele foi trazido pelos japoneses quando imigraram para o Brasil há mais de 100 anos. Falo que é uma pesca artesanal, sustentável. A gente faz a soltura de arraia, tartaruga, filhote de espada", explica o morador e guia de Maresias. 

A prática da pesca em canoa a remo perdura como uma tradição viva na vida de Rafael e de sua comunidade. "A gente faz essa pesca ainda de canoa a remo. Aqui no nosso rancho temos canoa de 50 anos, 100 anos, ou mais. A gente faz Turismo de Base Comunitária, apresenta essa história do cerco, dos nossos pais e avós. Contamos a história de ilhas como Montão de Trigo, Ilha dos Gatos", exalta. 

O movimento de turistas, além de ser mais forte na época de férias, está intrinsecamente ligado às condições climáticas. "A quantidade de turistas depende muito do tempo. Na nossa praia é muito sazonal, geralmente o maior movimento é na temporada, de novembro até março é época de pico. Nem todos os dias a gente faz passeio, tem dia que a gente faz 20 pessoas, tem dia que faz 10, tem dia que não faz nenhum. Não é muito certo quantas pessoas vão por dia", avalia Rafael, que também é presidente da Associação de Pescadores de Maresias.

Interessados em realizar a Rota Caiçara, podem entrar em contato com Rafael Maeco pelo telefone (12) 99634 2537.

Premiações 

São Sebastião ganhou o prêmio Braztoa de Sustentabilidade - da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo, na categoria Turismo de Base Comunitária: valorizando a cultura caiçara. Este é o primeiro prêmio de Turismo Sustentável no país reconhecido pela OMT - Organização Mundial do Turismo. 

A cidade também já foi premiada no Prêmio Internacional Passaporte Aberto da Organização Mundial de Jornalismo de Turismo (OMPT), na categoria Empreendedor Turístico Comprometido, com o projeto Rota Caiçara. Bicampeão no prêmio Top Destinos Turísticos (2022 e 2023) na categoria Turismo Social, por conta do TBC. 

Casa Caiçara São Sebastião
A Casa Caiçara imita residências de antigamente e guarda histórias de São Sebastião -PMSS

Além da Rota Caiçara, o município conta com muitos outros atrativos culturais como o grupo Fandango Aleluia; ranchos de pesca; Fazenda de Mexilhões da praia da Cigarras; grupo Folia de Reis; artesanatos identitários; Casa Caiçara; turismo social na Aldeia Indígena Rio Silveiras, entre outros.

Está vigente ainda no município a construção de mais seis ranchos de pesca na região central e Costa Sul, que devem ampliar as rotas de turismo. As obras são realizadas no Araçá, Barra do Sahy, Juquehy I e II e Barra do Una, além da ampliação de um rancho já existente em Maresias. De acordo com o município, a previsão de entrega é em maio de 2024.

Rebeca Freitas

Rebeca Freitas

Formada pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)

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