Biólogo do Instituto do Mar, da Unifesp, explica os problemas que os microplásticos, somados aos resíduos de cocaína, causam à vida marinha
Thomas Henry
Publicado em 27/02/2025, às 16h22
O que deveria ser uma pesca comum, tornou-se algo inusitado, como descreve o pescador e fundador do projeto Limpa Rio, Ionelcio Brito, de 65 anos. Isso porque, no dia 5 de fevereiro, enquanto pescava no rio Paranhos, em Cubatão, na Baixada Santista, encontrou um peixe robalo (Centropomus undecimalis), com dois microtubos nas entranhas. Estes resíduos também são conhecidos como pinos Eppendorf, popularmente usados para armazenar e transportar cocaína.
Peixe é encontrado com pinos de cocaína em rio de Cubatão; entenda os riscos
— Portal Costa Norte (@costanortenews) February 27, 2025
Biólogo do Instituto do Mar da Unifesp explica os problemas que os microplásticos, somados aos resíduos de cocaína, causam à vida marinha
🎥Imagens: Ionelcio Brito pic.twitter.com/Gb2Ar3gvtw
“Nunca tinha visto uma coisa dessa, não acreditei quando vi. Eu gravei o vídeo e joguei no lixo”, relata o pescador, que frequenta o rio Paranhos desde 1986. Com base nessa afirmação, o Costa Norte decidiu apurar a frequência desses casos em peixes e outros animais marinhos, além de entender quais danos esse tipo de resíduo pode causar à vida marinha e às pessoas. Para isso, a reportagem entrou em contato com o professor e biólogo Camilo Seabra, que possui mestrado e doutorado em oceanografia, pelo instituto oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), e dois pós-doutorados na universidade de Cádiz, na Espanha, também em oceanografia.
Camilo atua no Instituto do Mar, da Universidade Federal de São Paulo (Imar/Unifesp) - Campus Baixada Santista, e explica que a toxicidade dos microplásticos dos pinos é somada aos efeitos prejudiciais dos resquícios de cocaína que sobram nesses recipientes. “Primeiro, há o efeito tóxico do plástico por si só, se ele estivesse vazio. Mas, nesse caso, ele ainda está contaminado, porque todos esses plásticos vêm com resíduos de cocaína. Em trabalho recente, ao coletar esses pinos na praia e no mar, analisamos a quantidade de cocaína neles, e ainda há uma concentração alta", afirma.
O biólogo conta que os resíduos de cocaína causam problemas relacionados ao sistema reprodutivo dos peixes. Segundo ele, a substância tem a capacidade de desregular hormônios importantes para a reprodução desses animais. Outro efeito é que os microplásticos do pino dão ao peixe uma “falsa sensação de saciedade”, como explica o professor, assim, o animal não se alimenta corretamente e fica desnutrido. “Esse plástico também pode obstruir o intestino e outras vias do sistema digestório, comprometendo fisiologicamente e, até, levando esses animais à morte”, acrescenta Camilo.
“Todo plástico que se lança na água pode contaminar o pescado, e com isso, não só causar efeitos na saúde do animal, o levando à morte, como também pode causar efeito na nossa saúde”, comenta o professor. De acordo com o biólogo, apesar da parte do peixe na qual os pinos se alojam não ser consumida pelas pessoas, as toxinas dos microplásticos e nanoplásticos liberadas pelo resíduo, assim como a cocaína, podem contaminar o filé do peixe.
Camilo explica que, quando o resíduo plástico é descartado de forma incorreta, em praias, mares e rios, ele se torna parte da “cadeia alimentar” desses animais. “O plástico entra na cadeia alimentar e não sai mais, ele volta para o meio ambiente. A chance de ir para a cadeia alimentar é muito grande. Os pinos são mais um exemplo disso; é o tráfico de drogas causando impacto ambiental. Nós vemos esses pinos de cocaína na praia, boiando na água e nos canais e rios. Infelizmente, o uso da cocaína aqui na região já é uma questão de epidemia. Nós temos tanto usuários de crack, quanto de cocaína, em número bem elevado na região metropolitana da Baixada Santista”, informa o biólogo.
O professor também cita outros casos: “Um estudo no Rio de Janeiro mostrou cocaína acumulada em tubarões, e nós já havíamos feito, há mais tempo, um estudo mostrando cocaína acumulada em marisco, na baía de Santos. Então, a cocaína é uma substância que, apesar de ser solúvel em água, pode acumular no organismo desses animais aquáticos”.
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Segundo Camilo Soares, uma forma de colaborarmos, ao menos com os danos causados pelos microplásticos, é a conscientização na escolha dos materiais plásticos. “Sempre que tiverem uma opção ao plástico, escolham sacolas duráveis, plásticos retornáveis, e outras práticas que minimizem a entrada de plástico no ambiente aquático”, finaliza o biólogo.
Thomas Henry
Estudante de jornalismo na Unisantos. Integra a equipe de mídias sociais do portal Costa Norte.