Nos últimos anos, aparecimento dos cetáceos, em Ilhabela e São Sebastião, vem crescendo consideravelmente e cada vez mais cedo
Reginaldo Pupo
Publicado em 23/05/2024, às 08h51
Basta chegarem os meses de maio e junho, para que os municípios de Ilhabela e São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, entrem em transe devido ao que chamam de “temporada de baleias”, um novo apelo turístico que as cidades passaram a explorar, nos últimos cinco anos, como forma de atrair turistas no período de baixa temporada.
O aumento de avistamentos, nos últimos anos, que, inclusive, intriga especialistas, fez com que agências de turismo das duas cidades se especializassem neste segmento para promover passeios pelo canal de São Sebastião.
Nas últimas semanas, as duas prefeituras anunciaram o início da “temporada”. Em Ilhabela, haverá até cerimônia oficial de abertura, no próximo dia 29 de maio, ao lado do píer do Perequê. Espera-se atrair grande público para assistir aos verdadeiros espetáculos promovidos pelos cetáceos. A temporada também recebe a visita de golfinhos e pinguins, que costumam chegar próximo da areia das praias, para delírio dos banhistas.
Os avistamentos são registrados, em sua maioria, no canal de São Sebastião, que divide os dois municípios; ele possui 25km de comprimento, de 2km a 7km de largura e 40 metros de profundidade. Algumas baleias podem não ser avistadas por passarem por fora do canal, atrás de Ilhabela.
A maioria das baleias que surgem na região é da espécie jubarte e juvenil – têm entre um e dois anos de idade e desmamaram recentemente. Em menor escala, aparecem as baleias-de-Bryde. O litoral norte de São Paulo integra a rota das baleias, que saem do hemisfério sul em busca de águas mais quentes para reprodução. O destino final, geralmente, é Abrolhos, no sul da Bahia.
Nos últimos anos, as baleias passaram a frequentar a região cada vez mais cedo. Após ter um aparecimento de pinguins acima da média, em 2020, o litoral norte registrou, em 2021, um recorde de avistamento de baleias. A quantidade anormal e o início precoce da temporada vêm intrigando os especialistas.
Em 2021, de 8 de abril e 9 de junho, foram registrados, pelo Projeto Baleia à Vista, cerca de 69 avistamentos entre os municípios de São Sebastião e Ilhabela. É uma média superior a uma baleia por dia. “Mas esse número pode ser bem maior, pois nem todas conseguimos registrar, devido às dimensões do canal de São Sebastião”, observa Júlio Cardoso, idealizador do projeto.
Na temporada de 2020, que também começou mais cedo, entre maio e junho, foram registradas 12 baleias da espécie jubarte, entre São Sebastião e Ilhabela. Em anos anteriores, segundo Cardoso, as baleias iniciavam a viagem nos meses de julho. A partir de 2020, porém, elas começaram a surgir na região um mês antes, em junho. “Em 2021, a temporada começou ainda mais cedo, em abril, algo bem incomum”, observou.
Cardoso afirma que o fenômeno também vendo sendo registrado em praticamente todo o Atlântico Sul e em países como Uruguai e Argentina. “As baleias estão passando também pelo litoral sul de São Paulo e em Santa Catarina, estado que não tem tradição em avistamentos”, completa. “Estamos diante de um aumento monstruoso, uma quantidade enorme, um número incrivelmente maior de baleias-jubarte em nossa região, um fenômeno que precisa ser estudado. Precisamos saber os motivos que estão levando as jubartes a virem para a região em maior quantidade e mais cedo”, avalia Cardoso.
“Na fase juvenil, elas são muito curiosas e gostam de chegar próximo de embarcações e da costa, em busca de comida. É um comportamento diferente das grandes baleias, que desviam da área de alimentação e seguem seu rumo para a área de reprodução”, explica.
Ele diz acreditar que, um dos motivos que podem estar atraindo as baleias para dentro do canal de São Sebastião é a temperatura da água, de 23ºC em média, ante 21ºC registrada em anos anteriores. Outra explicação seria o aumento natural da população. As baleias utilizam o canal apenas como passagem e, na maioria das vezes, não permanecem na região. “É como se o canal fosse um local para descanso. Se tiver um lanchinho, elas fazem, depois seguem a rota. Raramente permanecem mais de dois dias”, diz Cardoso.
De acordo com Marcos César de Oliveira Santos, professor do Laboratório de Biologia da Conservação de Mamíferos Aquáticos do Departamento de Oceanografia Biológica da USP (Universidade de São Paulo), o aumento da população vem ocorrendo desde meados do século passado, quando houve a proibição de caça às baleias na Antártica. “Com isso, os estoques populacionais vêm se recuperando gradualmente. E a jubarte tem maior tolerância a esse aumento, por ter acesso a um cardápio maior de alimentação e por resistir a fatores ambientais”, afirma.
Com tantas baleias surgindo no canal e, até mesmo, próximo às praias de Ilhabela e São Sebastião, locais onde há intenso tráfego de lanchas de passeios e escunas aos finais de semana, um problema acabou surgindo: muitos turistas se aproximam das baleias com suas embarcações, para registrar o momento em fotos, vídeos e selfies, colocando em risco a integridade física do animal e dos próprios curiosos.
De acordo com Marcos Oliveira, com base em dados das autoridades portuárias, quintuplicou a quantidade de barcos na região do litoral norte de São Paulo. O ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu uma multa de R$ 2.500 do Ibama, por importunação a uma baleia durante um passeio de moto aquática em São Sebastião, em junho do ano passado. Bolsonaro foi alvo de um inquérito da Polícia Federal, após a divulgação de um vídeo no qual se vê sua aproximção de uma baleia. Na ocasião, ele passou perto do animal com o motor ligado, o que é proibido por lei. Em depoimento na sede da corporação em fevereiro, na capital paulista, a defesa do ex-presidente disse que ele “não sabia” que a aproximação podia configurar crime. Após as investigações, a Polícia Federal não viu crime nas investidas do ex-presidente e arquivou o inquérito.
"Há uma grande preocupação dos cientistas em relação aos turistas, que até entram na água para se aproximar das baleias, pois não sabemos quais podem ser as reações delas com essa importunação”, explica Marcos Oliveira. De acordo com o oceanógrafo Hugo Gallo, presidente do Instituto Argonauta, proprietários de embarcações que se aproximam de animais marinhos descumprem regras marítimas: "Quem não cumpre está cometendo um crime".
Segundo o órgão, as baleias sofrem inúmeras ameaças, mesmo após a proibição de sua caça no Brasil, e as redes de pesca são uma das que mais causam problemas, mesmo que acidentalmente. As chamadas redes de espera, deixadas por pescadores para capturar peixes, muitas vezes, não são percebidas pelas baleias, que se enroscam e, em alguns casos, morrem ou se machucam, por ficarem presas a este tipo de material, resistente, feito de nylon e fibras sintéticas.
Na semana passada, a prefeitura de São Sebastião afirmou que a primeira jubarte de 2024 foi vista na terceira semana de abril. De acordo com Júlio Cardoso, trata-se de uma baleia juvenil. “Em geral, elas são mais apressadinhas e, às vezes, nem fazem a migração completa, pois ainda não estão em idade de reprodução. As adultas, em geral, passam mais nos meses de junho e julho”.
Ainda segundo a prefeitura de São Sebastião, o ano passado terminou com o recorde de 740 avistamentos no canal de São Sebastião. Já a prefeitura de Ilhabela informou, na terça-feira (21), que o recorde é de 780 baleias. A prefeitura ilhabelense lançará o selo Cidade Amiga das Baleias. A participação na Oficina de Boas Práticas, no dia 28 de maio, será um dos requisitos para obtenção do selo, que servirá como um diferencial competitivo, sendo divulgadas nos canais oficiais da prefeitura.
O prefeito de Ilhabela, Antônio Luiz Colucci, informou: "Em breve, teremos a tão sonhada sede do Instituto Baleia Jubarte na cidade. Nos unimos a quem mais entende e se dedica às baleias, o que é fundamental para desenvolvermos esse segmento de turismo de forma responsável. Ilhabela já é um dos principais destinos de observação de baleias e golfinhos do país; não tenho dúvida que este espaço se tornará um importante atrativo turístico e uma ótima opção de passeio para nossa população”.
