SEMANA DOS POVOS INDÍGENAS

Cultura guarani: conheça os costumes da aldeia na divisa entre Bertioga e São Sebastião

Terra Indígena Guarani do Ribeirão Silveira, onde a cultura e modo de viver são preservados por 550 indígenas de 150 famílias, distribuídas em cinco aldeias

Mayumi Kitamura
Publicado em 17/04/2024, às 16h01 - Atualizado às 16h59

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Na Terra Indígena Guarani Ribeirão Silveira estão cinco aldeias, ou núcleos familiares - Reprodução/Circuito Litoral Norte
Na Terra Indígena Guarani Ribeirão Silveira estão cinco aldeias, ou núcleos familiares - Reprodução/Circuito Litoral Norte

Em um primeiro olhar, a divisa entre Bertioga e São Sebastião, no litoral paulista, encanta pela beleza das praias, mas, quem conhece a região, sabe que ali também abriga um recanto de preservação da cultura e do modo de vida dos povos originários. Isso porque, nessa área, fica a Terra Indígena Guarani do Ribeirão Silveira, que vivencia, no seu dia a dia, uma relação de equilíbrio com a natureza e com as características que propiciam preservação de seus costumes.

O historiador Cadu de Castro, estudioso da cultura guarani há quase 20 anos, explica que as características geográficas da aldeia, inserida no bioma da Mata Atlântica, e com abundância de água e recursos naturais, possibilitam a preservação cultural. 

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“Eles têm todos os recursos ali para preservar as suas tradições, ou seja, coletar matéria-prima que eles precisam para fazer suas casas, seu artesanato; eles têm condições de caça, de pesca, água em abundância, áreas extremamente propícias para o cultivo das mais diferentes plantas alimentícias, como mandioca, batata-doce, milho, banana, feijão, dentre outras coisas”, exemplifica.

Quando não existem tais características, notam-se diferenças culturais em uma mesma etnia, principalmente, quando a aldeia insere-se próxima a áreas urbanizadas. A condição descrita impossibilita reproduzir seu modo de vida tradicional; seus integrantes têm subsistência mais vulnerável e dependente de recursos não naturais.

Cultura guarani

A cultura guarani é baseada no respeito e na solidariedade, que abrangem o universo como um todo, tanto a natureza quanto as demais pessoas. É o princípio filosófico chamado teko porã, que pode ser traduzido como  “bem viver”. Cadu de Castro revela, inclusive, que na filosofia deste povo, tudo o que integra o meio ambiente é tratado como se possuísse alma própria, seja um rio ou uma árvore, por isso, cada elemento, quando retirado, recebe um pedido de “licença”;  só se colhe ou caça o indispensável, sem desperdícios.

“Uma coisa importante para entendermos o contexto de vida guarani, é que não há uma dissociação entre o mundo físico e o espiritual. Eles convivem em uma mesma dimensão e eles, o tempo todo, pensam a partir dessa relação”, explica o historiador. Ele comenta que, por tal razão, sente-se incomodado quando nossa sociedade se apega a exceções para justificar a regra. “É óbvio que pode ter um guarani que, já contaminado pelos nossos valores culturais, gere impactos ambientais ou faça mal a algum ecossistema, para obter vantagem disso, mas é exceção, a imensa maioria deles tem essa relação harmoniosa com a natureza”, aponta. 

Outro aspecto destacado pelo historiador é que, nestas quase duas décadas de convívio com este povo, ele nunca presenciou agressões entre eles: tudo é resolvido com diálogo. “A palavra, que é sagrada para o guarani, é também uma grande arma nesse sentido, na solução dos conflitos”, revela.

Organização social

O técnico indigenista da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Márcio Alvim, informa que, naquela área, habitam 500 indígenas; cerca de 65% abrangem a faixa etária de zero a 18 anos. Eles se dividem em 150 famílias, em cinco aldeias (tekoas): Cachoeira; Rio Pequeno; Centro ou Morro do Cervo; Rio Silveira e Porteira.  

casa indigena
Terra Indígena está inserida no bioma Mata Atlântica, o que garante mútua preservação -  Thomas Henry / CN

Essa divisão, no caso dos guaranis da Terra Indígena Ribeirão Silveira - e que pode diferir conforme a etnia e região-, ocorre por núcleos familiares próximos, explica o historiador Cadu de Castro. “Então, na casa guarani, que eles chamam de ‘oo’ (‘oca’ é uma palavra tupi, e, não, guarani) vive o que chamamos de família nuclear, pai, mãe e filhos, no caso de algum idoso”, acrescenta. Além disso, eles não podem se casar com parentes próximos, por isso, a união ocorre com membros de núcleos, ou aldeias, distintos; o costume é que o homem passe a morar com a família da mulher. 

Dentro da terra indígena, os líderes de cada núcleo familiar elegem seu cacique e o vice, sem periodicidade definida; eles cuidam dos interesses da comunidade guarani, com outras não indígenas, a exemplo de questões relacionadas a território. 

Para este povo, as questões espirituais e físicas caminham juntas; o responsável por elas é o nhanderuí, palavra guarani para o conhecido pajé, do tupi. Eles não são eleitos, mas identificam essa vocação em si e aprendem com os mais experientes. É possível que cada núcleo familiar tenha o seu, mas existem aldeias que não o possuem. É o nhanderuí, explica Cadu de Castro, que recebe a mensagem de Nhanderu, a figura divina, para definir as datas de suas cerimônias de batismo. Estes eventos são importantes rituais relacionados não apenas a pessoas, mas ao período do ano, colheita, ao mate e outros alimentos.

Como visitar

A aldeia recebe turistas durante o ano, em visitas agendadas e autorizadas pelas prefeituras de Bertioga e São Sebastião, bem como pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e pelo cacique Adolfo Timotio Wera Mirim.

A entrada principal da aldeia pode ser acessada pela avenida Tupi Guarani, na altura do km 183, da rodovia Rio-Santos. As opções para marcar a visita são: entrar em contato com o cacique Adolfo (11) 94231 7570;  com a Associação Bertioguense de Ecoturismo (Abeco), pelo (13) 99728 9614 e Associação de Monitores Locais de Bertioga (Amolb), no (13) 99693 7598.

Mayumi Kitamura

Mayumi Kitamura

Jornalista formada na Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp - Guarujá) e técnica em Processamento de Dados. Atua na área de comunicação há mais de 20 anos.

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