Área de 800km pesquisada por universidades federais do Rio e SP inclui Baixada Santista, litoral norte e Região dos Lagos
Pesquisa inédita divulgada em julho deste ano revela que a variação da temperatura do oceano vem impactando severamente organismos que vivem nos costões rochosos da faixa litorânea. O estudo foi feito na região Sudeste, entre Itanhaém, no litoral paulista e Búzios, na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, mas pode servir como parâmetro para todo o litoral brasileiro.
A pesquisa, desenvolvida em conjunto entre a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense) e o Cebimar/USP (Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo) de São Sebastião, mostrou os efeitos da temperatura do oceano, da força das ondas e do volume de água doce que chega ao mar exercem sobre a biodiversidade marinha. Também participaram pesquisadores ligados a instituições de pesquisa da China e do Reino Unido; o apoio veio do CNPq e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O estudo é uma espécie de “IBGE da vida marinha”, por avaliar a variação na abundância e no tamanho de organismos em costões rochosos ao longo da costa sudeste do país e permitir a previsão dos impactos que as alterações climáticas podem trazer para esses organismos. O projeto foi o primeiro desenvolvido na costa brasileira a avaliar a biodiversidade do entremarés em costões rochosos, no trecho entre Itanhaém e Búzios, de cerca de 800km.
Durante o estudo, os pesquisadores coletaram informações sobre os locais nos quais estão distribuídas as várias espécies, em quais quantidades se encontram e os respectivos tamanhos. Esta característica é relevante, porque determina a influência da espécie na comunidade, seja pela competição por espaço ou por sua ação de predação – carnívora ou herbívora - na relação com outras espécies.
A equipe cruzou as informações reunidas com dados ambientais de temperatura do mar, grau de exposição às ondas e influência de água doce proveniente de rios, trabalhando em várias etapas. Na primeira delas, campanhas de campo intensivas coletaram os dados em 62 costões rochosos em espaço de poucos meses, garantindo que as informações estivessem sob influência de um mesmo regime de estação climática.
Campanhas de coleta de campo ajudaram a avaliar a predação entre as espécies principais. Em outra etapa, a equipe realizou experimentos em 18 costões rochosos no gradiente latitudinal pesquisado, para testar como fatores das mudanças climáticas podem influenciar a predação entre esses animais. Essa etapa envolveu uma força-tarefa, encarregada de instalar e monitorar gaiolas nas rochas na zona costeira.
Além do trabalho de campo e análises dos organismos em laboratório, os pesquisadores realizaram etapas de sensoriamento remoto e modelagem, para obter dados de monitoramento de satélite sobre a temperatura do oceano, a descarga de água doce por rios na zona costeira e a força de impacto das ondas.
As informações ajudaram a equipe a entender como cada um desses fatores varia, em uma escala de menos de dez quilômetros ao longo da costa. A pesquisa em campo e laboratório durou quatro anos e envolveu equipe de 20 pesquisadores e estudantes, resultando em diferentes publicações científicas. Nos últimos dois anos, artigos científicos derivados do projeto começaram a demonstrar como a biodiversidade interage nesse sistema.
Os pesquisadores estudaram como as populações de organismos marinhos variam em ambiente natural, dentro de um gradiente de temperatura do oceano que varia naturalmente em cerca de 3ºC entre os locais com águas mais quentes, como é o caso da região da Baixada Santista até Ilha Grande, no Rio de Janeiro, e as águas mais frias da Região dos Lagos, também no Rio de Janeiro.
De acordo com os pesquisadores, o entendimento de como esse gradiente de temperatura influencia no ambiente natural permite extrapolar os potenciais impactos do aumento da temperatura do oceano - que, no último ano, por exemplo, tem estado de 1 a 2ºC acima da média no Atlântico Sul.
No gradiente de temperatura do oceano, na costa sudeste brasileira, os pesquisadores buscaram costões rochosos com diferentes graus de impacto das ondas, desde áreas mais abrigadas, com pouca força das ondas, até as com alta energia de ondas. Tornou-se possível avaliar, assim, como o aumento das ressacas no mar, que geram ondas mais fortes, pode influenciar na biodiversidade.
Além da temperatura do oceano, a equipe avaliou o efeito local da força das ondas. Por fim, ao longo de toda a região do estudo, os pesquisadores buscaram costões rochosos próximos e distantes da foz de rios, para avaliar como o aumento das chuvas e a descarga de água doce no oceano podem influenciar a biodiversidade.
Para os pesquisadores, um dos desafios do projeto era entender os padrões ecológicos naturais dentro de um gradiente de variação que permite extrapolar previsões para os cenários futuros de mudanças de clima.
Os dados mostram que a maior parte das espécies avaliadas tende a ser menor nas áreas de água mais quente, como é o caso da região da Baixada Santista até o litoral sul do Rio de Janeiro, do que em áreas de águas mais frias, como a Região dos Lagos. Os registros indicaram que as espécies filtradoras, como cracas e mexilhões, são de 25% a 35% maiores, enquanto a espécie carnívora chega a ser 50% maior, enquanto as espécies herbívoras são de 100% a 130% maiores.
No período e no gradiente latitudinal na região de estudo, a variação da temperatura do oceano era de cerca de 3ºC entre as regiões mais quentes e frias. O estudo também mostrou que a influência do aporte de água doce teve efeitos variáveis. Nas áreas com maior influência de rios, por exemplo, as cracas foram menores, enquanto os mexilhões foram mais abundantes. O dado indica que as espécies têm tolerância diferente em relação à salinidade.
De acordo com os pesquisadores, a diferença de tamanho das espécies pode ocorrer por duas razões. Em primeiro lugar, em águas mais quentes os animais tendem a alcançar a maturidade sexual mais cedo. Logo, investem energia em crescimento por menos tempo e ficam menores e, depois, investem mais energia na reprodução.
Em segundo lugar, a Região dos Lagos é influenciada pelo processo de ressurgência, que traz nutrientes do fundo do oceano e enriquecem a água, podendo, assim, trazer mais energia na cadeia trófica (alimentação). Embora a alimentação não fosse fator limitante em qualquer região, pois sempre há presas disponíveis para os animais se alimentarem, o fato de se ter águas naturalmente mais ricas em nutrientes pode ter influência em maior taxa de crescimento.
Segundo os resultados da pesquisa, as espécies avaliadas também tendem a ser mais abundantes em áreas sob maior influência de ondas. Há aumento da abundância de cracas em até 50%, com triplicação do número de mexilhões e da população do predador, o caracol Stramonita brasiliensis. O fato resulta do aumento na chegada de nutrientes, alimento e larvas por meio das ondas.
O experimento realizado nos costões rochosos, para testar a influência desses fatores na predação, mostrou que, em locais com maior influência de ondas, a predação pelo caracol Stramonita brasiliensis sobre cracas é reduzida. O impacto das ondas atrapalha os predadores, que podem ser removidos das rochas. A predação é mais relevante em locais com menor influência de ondas, onde as presas são encontradas em menores quantidades e os predadores não são atrapalhados pelas ondas.
De acordo com o professor do Centro de Biociências e Biotecnologia, da Uenf e primeiro autor do artigo, César Cordeiro, os resultados da pesquisa mostram uma possível alteração na biomassa dos organismos marinhos no ambiente, o que pode gerar desbalanço de energia na cadeia trófica e impactar outros organismos que se alimentam deles, caso se considerem os cenários previstos da mudança do clima para o futuro próximo, que apontam para o aumento da temperatura do oceano.
“Temos agora a possibilidade de monitorar o que irá ocorrer. Se apenas no último ano a temperatura média do oceano já subiu quase 0,5ºCs, e na costa brasileira, o Oceano Atlântico estava entre 1 a 2ºC acima da média, podemos ter processos reprodutivos e de crescimento já sendo alterados, que vão reverter em impactos na biodiversidade nos próximos anos”, afirma Cordeiro.
Para o pesquisador e bolsista de pós-doutorado júnior do CNPq, André Pardal, que liderou os estudos de modelagem e cadeia trófica no projeto, entender a predação é um elemento chave para a compreensão da dinâmica dos processos que regulam a biodiversidade. “Em um cenário de aumento do nível do mar e da frequência de eventos extremos, nossos resultados mostram que os organismos podem se tornar mais abundantes, porém, com maiores desafios para se alimentar, o que pode gerar um desequilíbrio ecológico. Isto é ainda mais forte somado ao aumento da temperatura do oceano, onde eles também tendem a se tornar menores em tamanho, configurando uma completa alteração das populações naturais do ambiente”, diz.
Estudos como o do artigo publicado demonstram que espécies costeiras estão intimamente ligadas às características do oceano. Os pesquisadores agora trabalham nas etapas seguintes do projeto, para aprofundar o entendimento de como esses processos climáticos e da biodiversidade afetam e são impactados por diferentes ações da nossa sociedade. “As alterações no oceano ligadas a atividades humanas, como urbanização costeira, poluição e mudanças climáticas, certamente impactarão as espécies costeiras e, potencialmente, os benefícios que elas trazem para nós”, afirma Pardal.
O professor César Cordeiro reforça: “Investir em ciência e monitoramento passa a ser ainda mais essencial, para que possamos entender as alterações que vão ocorrer nos próximos anos e décadas, e como isso pode influenciar na cadeia de pesca, na economia, na saúde do oceano e que, de todas as formas, impactam a nossa sociedade”.
Fonte: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (Gov.br).