CURIOSIDADES

Autor de O Pequeno Príncipe visitou Ubatuba? Saiba mais sobre a história

Os mais velhos explanaram a história da visita de Antoine de Saint-Exupéry como uma lenda local, mas a história teve um desdobramento interessante

Gabriela Petarnella
Publicado em 17/10/2023, às 14h25

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Fondation Antoine de Saint-Exupéry
Fondation Antoine de Saint-Exupéry

Ubatuba carrega há décadas uma história intrigante sobre um possível encontro com um dos autores mais famosos do mundo literário, Antoine de Saint-Exupéry, o escritor de O Pequeno Príncipe. Por 52 anos (1933-1985), esta história fascinante envolveu a comunidade local, levantando a questão: o autor teria realmente visitado a cidade por acidente?

A saga começa em uma tarde de junho de 1933, quando cerca de 800 habitantes da cidade, na época, vivia uma vida simples, ainda se acostumando com o recente advento do automóvel. Quando de repente, algo surpreendente aconteceu. Um avião da Cia. Aéropostale, agora conhecida como Air France, fez uma aterrissagem inesperada na Praia do Cruzeiro, no centro da cidade.

Esse avião fazia a rota regular entre a França e a Argentina, cobrindo 11 mil quilômetros que incluíam a costa atlântica brasileira. Originalmente, seu destino era a base aérea de Praia Grande, em Santos, mas condições meteorológicas desfavoráveis fizeram o piloto alterar o plano. Ao sobrevoar Ubatuba, o piloto avistou a torre da igreja matriz e decidiu pousar na praia central, tornando-se uma visita técnica inesperada e providencial enquanto aguardava a melhoria das condições climáticas.

A bordo da aeronave estavam dois franceses, o telegrafista chamado Chauchat e o piloto, que atendia pelo nome de Antoine. A barreira linguística não facilitou o contato, uma vez que nenhum dos franceses falava português, e os moradores locais não conheciam o idioma dos visitantes. Antoine e Chauchat foram calorosamente recebidos pela cidade e considerados hóspedes oficiais, graças à intervenção do então prefeito Deolindo de Oliveira Santos que os acomodou no antigo Hotel Felipe, que hoje, já não existe mais.

Os visitantes desfrutaram de uma noite memorável regada a vinhos franceses, que pertenciam à coleção de Deonildo e na manhã seguinte retornaram à praia com a intenção de retirar parte do combustível do avião para distribuir à população e, assim, facilitar a decolagem. Em um espetáculo inesquecível, os caiçaras testemunharam o pequeno avião, um Latecoère, correndo pela praia até ganhar velocidade suficiente para decolar e essa cena tornou-se uma parte do folclore local por muitos anos.

Tempos depois, a obra O Pequeno Príncipe se tornaria mundialmente famosa e seu autor, um piloto profissional, foi reconhecido. As especulações começaram quando descobriu-se que ele havia passado dois anos em Buenos Aires e visitado o sul do Brasil várias vezes, o que levou muitos a acreditarem que o Antoine que esteve em Ubatuba era, de fato, Antoine de Saint-Exupéry.

Para os locais não havia dúvidas. Luiz Ernesto Kawall, soube da curiosa história e então mergulhou na pesquisa da vida e obra do autor francês. Foi ele quem começou a examinar o caso da visita a Ubatuba, bem como especulações sobre sua presença em outras cidades brasileiras, como Natal, Praia Grande, Itaipava, Pelotas e Porto Alegre.

A história se tornou tão difundida que até mesmo a renomada especialista na biografia do autor e aviador, a dominicana irmã Rosa Maria, foi envolvida ou corroborou com o mito. Ela ganhou notoriedade nacional por abordar o assunto no programa de televisão O Céu É o Limite e posteriormente escrever um livro sobre Saint-Exupéry. No prefácio desse livro, a irmã menciona os pousos forçados em Santos, Praia Grande e Ubatuba.

Imagem de um local apontando o lugar onde o avião pousou
Uma testemunha do acontecido, mostrando o local de pouso do avião - INSTITUTO SALERNO-CHIEUS (Núcleo de Documentação Luiz Ernesto Kawall)

No entanto, a busca por evidências concretas revelou-se desafiadora. A falta de fotografias e provas visuais complicou ainda mais a veracidade do encontro. O historiador Filhinho, ex-prefeito da cidade, que esteve presente no encontro quando mais novo, reafirmava a história, mas a falta de registros do antigo Hotel Felipe, onde supostamente os franceses ficaram hospedados, criou incertezas para o investigador Luiz.

Finalmente, em setembro de 1985, a verdade começou a surgir quando a TV Globo entrevistou Jean-Gérard Fleury, um jornalista francês e correspondente da revista Le Point. Kawall percebeu ali, a oportunidade de obter um esclarecimento definitivo sobre o caso. Fleury era amigo pessoal de Saint-Exupéry e após o contato de Luiz, forneceu informações cruciais, destacando que: "Saint-Exupéry nunca havia pousado em Ubatuba".

Reviravolta

A história poderia ter encerrado neste ponto. Porém, Fleury, que achou cômica toda a situação, ajudou, de uma vez por todas, a desvendar o mistério. Afinal, quem era o tal Antonie que passou a noite em Ubatuba?

O jornalista revelou que, na verdade, o avião que esteve na cidade em 1933, era pilotado por ninguém mais do que o veterano comandante Léon Antoine, acompanhado pelo radiotelegrafista Chauchat. E que a confusão é compreensível, já que além do nome, ambos eram parecidos fisicamente quando mais jovens.

Assim, o enigma foi resolvido, e a misteriosa visita do autor de O Pequeno Príncipe a Ubatuba foi atribuída a Léon Antoine, um dos grandes nomes da aviação francesa, com mais de 21 mil horas de voo, recordista mundial de voo livre com um tempo de oito horas e 20 minutos e detentor da Legião de Honra.

O piloto foi contatado por Kawall e outra coincidência veio à tona. Após se aposentar, ele passou a morar no Brasil, o que facilitou para que em 1985, após 52 anos, retornasse à Ubatuba para se encontrar com a comunidade mais uma vez. 

A verdade sobre a misteriosa visita foi finalmente esclarecida, e Ubatuba teve que abrir mão da história de que Antoine de Saint-Exupéry passou uma noite no Hotel Felipe. Embora a lenda tenha sido desfeita, a fascinante história ainda permanece como parte do rico folclore e história de Ubatuba.

Gabriela Petarnella

Gabriela Petarnella

Jornalista formada pelo Centro Universitário Módulo. Possui experiência em videorreportagem e fotojornalismo

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