PRIMAVERA

Maior jardim à beira-mar do mundo enfeita cidade do litoral de SP

Na primavera, as plantas atingem seu auge de desenvolvimento, e a floração e o extenso jardim da orla da praia santista transformam-se em aquarela

Eleni Nogueira
Publicado em 22/09/2024, às 10h00

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Jardim possui 800 canteiros de diferentes formas e tamanhos - Eduardo Malta
Jardim possui 800 canteiros de diferentes formas e tamanhos - Eduardo Malta

A primavera começou neste domingo, dia 22 de setembro, às 9h44 da manhã, e, se há um lugar emblemático para representar a estação das flores, no litoral paulista, sem dúvida é o jardim da orla da praia santista, que se estende desde o José Menino, próximo à divisa com São Vicente, até boa parte da Ponta da Praia. 

Biris, dracenas, lírios, roseiras, helicônias… são apenas algumas das espécies que enfeitam o famoso tapete verde de Santos. Segundo levantamento botânico da administração municipal, são mais de cinco quilômetros de extensão, com uma área ajardinada de 220 mil metros quadrados, recobertos por gramados, 800 canteiros de diferentes formas e tamanhos, 78 espécies de flores e 2.286 árvores. 

Desde 2001, o imponente ponto turístico ganhou destaque no Guinnes Books, o livro mundial dos recordes, como maior jardim frontal de praia do mundo. Quem tem a oportunidade de desfrutar desta verdadeira obra de arte da natureza não dispensa elogios, como é o caso do santista Nilso Guedert, 84 anos, analista de sistemas aposentado, que tem o jardim como pano de fundo para suas caminhadas matinais e, ainda, aproveita a ciclovia que percorre  toda a orla, para se exercitar. “É sempre um prazer frequentar o jardim e apreciar a natureza exuberante. É muito importante no meu dia a dia, porque, além de relaxar, ajuda a manter a forma física e psicológica”. 

O corretor de imóveis Edson Elias Hamuch, 64 anos, que vive em Santos desde 1961, destaca que o santista, de um modo geral, tem orgulho da orla da praia. “É um lugar onde você relaxa. Eu costumo dizer que vejo Deus nestas pequenas coisas, nas flores…O pôr do sol na ponta da praia, tomando uma água de coco, não tem preço; poucos lugares no mundo oferecem  essa possibilidade; para diversão, lazer, levar os animais para passear, um dos lugares mais bem cuidados da região. Tem poucos lugares assim, tão bonitos e tão democráticos”.

O segredo do jardim da orla

Os olhos não cansam de admirar tamanho capricho, e é possível que alguém se pergunte: como tudo foi parar ali? Quem está por trás deste trabalho e como ele é feito? De acordo com a prefeitura santista, todas as mudas foram cuidadosamente plantadas em locais estratégicos para melhor sobrevivência. Neste quesito, leva-se em conta questões climáticas, como vento, salinidade e luminosidade, itens característicos à beira-mar. Assim, as mais resistentes são colocadas próximas da areia, as demais ficam perto do calçadão. 

Como os tipos de solo e de clima são pouco propícios ao cultivo de grande variedade de flores, são usadas diversas espécies de folhagens coloridas, para contrastar com os matizes de verde. Diversas plantas presentes no jardim apresentam aromas, principalmente, em suas inflorescências; destas, destacam-se as roseiras e os jasmins.

jardim santista
Clima agradável e visão previlegiada na orla da praia de Santos - Secom / Santos

As árvores completam o projeto paisagístico. Os chapéus-de-sol, com seus galhos frondosos e folhas largas, que geram sombra fresca, destacam-se ao longo da avenida da praia e no final do jardim, próximo ao calçadão da orla. Ainda nesse quesito, é possível observar as palmeiras; são 1.443 ao longo da orla, de pequeno e médio portes, e de 21 espécies diferentes. Essa disposição das árvores fornece sombra aos frequentadores das áreas geralmente utilizadas para trânsito de pedestres e contemplação do jardim e da orla. 

Nos bastidores, profissionais atuam durante o ano inteiro para sua manutenção. A Coordenadoria de Paisagismo conta com 17 funcionários fixos para cuidar do jardim da orla da praia. O trabalho é dividido por estação e há um manejo diferente para cada período. Na Primavera, época na qual as plantas atingem seu auge de desenvolvimento e floração, a atenção volta-se para as pragas e doenças, que se proliferam de forma mais acentuada. No Verão, a ênfase é o corte de grama e a limpeza de canteiros para livrá-los das ervas daninhas, devido ao crescimento acelerado neste período.

No Outono, é feita a poda de limpeza de flores e galhos secos, evitando-se quaisquer atividades que exijam o uso de energia pelas plantas, uma vez que as mesmas estão diminuindo seu metabolismo para enfrentar o período invernal. E, quando chega o frio, a preferência é para reformar canteiros, dar continuidade às podas de limpeza e de formação, especialmente em roseiras, retirando-se flores e galhos secos. Os canteiros também recebem adubação orgânica e cobertura morta.

Todos esses cuidados interligados formam uma receitinha de sucesso garantido. O jardim da orla da praia, além do embelezamento, possui ainda uma função urbanística para lá de especial: melhorar o ar da cidade e, consequentemente, a qualidade de vida da população. As árvores retêm os particulados do ar. Para uma cidade com, em média, um carro para cada dois habitantes, é um cuidado necessário. Inclusive, ajuda a reter o calor de zonas mais aquecidas. Daí porque a sensação é tão gostosa nos jardins. 

Começou com Saturnino

Os traços pioneiros dessa obra de arte natural começaram em 1914, quando Saturnino de Brito (1864/1929), engenheiro sanitarista,  projetou as primeiras estruturas urbanísticas de Santos, e incluiu, no traçado, áreas verdes para delimitar o mar. Mas o projeto só começou a ser posto em prática na gestão do urbanista e deputado Aristides Bastos Machado, prefeito de Santos de 1932 a  15 de outubro de 1936, de quem o jardim herdou o nome oficial. 

Saturnino sugeriu a implantação de uma via, que seria denominada avenida Parque da Barra. No final da década de 1920, surgiram alguns jardins à beira-mar, nas proximidades dos hotéis. Mas, interessados em lotear os terrenos da orla, diversos construtores conseguiram, junto ao governo federal, entre 1921 e 1922, o aforamento (documento que comprova concessão de privilégio) da área de vegetação adjacente à praia, entre a areia e a rua. 

Foi iniciado um movimento na cidade, liderado pelo poeta Vicente de Carvalho e o então prefeito, coronel Joaquim Montenegro, a fim de impedir a especulação imobiliária e exploração comercial do espaço. Em carta aberta ao presidente, Vicente de Carvalho diz: "Deus do céu! Que ideia é essa, a de que alguém, que é o governo brasileiro, e o governo de um brasileiro que se chama Epitácio Pessoa, venda pelo prato de lentilhas, que a Bíblia consagrou à execração dos homens, uma linda e preciosa joia de família, de nossa família santista, de nossa família brasileira...”. 

O governo cedeu e, em agosto de 1922, o presidente Epitácio Pessoa veio a Santos para várias inaugurações e, também, para a assinatura do ato de aforamento da área em favor do município, ação que representou uma disputa judicial até 1934. Para afastar de vez o perigo do loteamento, o poder municipal optou pela forma mais barata possível de ocupação, com o ajardinamento de um pequeno trecho, em 1930. 

jardim da orla
Poeta Vicente de Carvalho teve participação na defesa da área onde hoje figura o jardim da orla de Santos - Douglas Fernandes

No mesmo ano, o engenheiro Paulo Veiga e o arquiteto Carlos Lang apresentaram uma proposta,  posteriormente aperfeiçoada por Adalberto Moura Ribeiro e Hugo Benedito de Oliveira. As obras foram iniciadas em 1935, a partir da praia do Gonzaga, entre os canais 2 e 3, em duas frentes de trabalho: uma seguiu em direção ao José Menino e, outra, para o lado oposto. O primeiro trecho foi concluído em 1939, pelo jardineiro checo Carlos Colariquis, do Horto Florestal de São Paulo.

De lá para cá, são décadas e décadas de manutenção e constantes transformações. Tudo para que as flores e as histórias se renovem a cada manhã com o carinho e a admiração de quem trata e de quem curte os jardins praianos.  

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Eleni Nogueira

Eleni Nogueira

Jornalista formada em Comunicação Social na Universidade Braz Cubas

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