A ilha das cobras tem acesso restrito a pesquisadores e conta com a segunda maior densidade de serpentes peçonhentas do mundo
Paulo Henrique Chaves
Publicado em 25/04/2024, às 11h11 - Atualizado às 11h38
Quem de longe avista o farol da ilha pode até pensar que alguém mora ali, mas não é bem assim, pelo menos desde 1918, quando a Marinha do Brasil automatizou o farol, dispensando a necessidade de um faroleiro encarregado. Gravada no imaginário popular como a ilha das cobras, a Queimada Grande é um paraíso localizado a 35km da costa de Itanhaém, litoral sul de São Paulo. O acesso à ilha é proibido e só pode ser realizado por cientistas autorizados.
E não é por acaso, o local de beleza selvagem possui um perigo nada escondido, ao contrário, pode ser avistado facilmente por toda a ilha: a jararaca-ilhoa, espécie só encontrada na Queimada Grande. A víbora tem veneno capaz de matar em apenas duas horas, sem atendimento médico adequado. A ilha de 430 mil metros quadros, formada por rochedos e Mata Atlântica, é o lar de estimadas mais de três mil jararacas-ilhoa.
O pesquisador do Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan, Otávio Marques, um dos herpetólogos mais respeitados do país, explica que a densidade de cobras na ilha não é a maior do mundo, como muitos pensam, mas deixa claro que a Queimada Grande tem uma das maiores populações de serpentes por metro quadrado. “Imagina um campo de futebol com 55 cobras”, compara. Para se ter ideia, a ilha, sob gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), tem o tamanho de 43 campos de futebol.
Apesar do mito de que a jararaca-ilhoa tem um veneno mais potente que jararacas de outras espécies, estudos recentes atestam que não existe essa variação, embora a peçonha seja mais forte quando injetada em aves. “Essa diferença (potência maior em aves) é encontrada na jararaca do continente também. Então o que a gente pode dizer é que os venenos são muito similares”, enfatiza o pesquisador.
A jararaca-ilhoa usa o veneno potencialmente mais forte em aves, para se alimentar; ataca pássaros migratórios que utilizam a Queimada Grande como passagem, porque a serpente sofre com a ausência de roedores na ilha, que costuma ser a presa ideal para cobras.
A escassez de alimentos é o grande desafio da ilhoa, que tem dois picos de alimentos por ano, com as migrações. “Ela não tem um recurso com valor energético constante ao longo do tempo”, pontua Marques. E a falta de alimentação constante afeta a reprodução, ameaçando a espécie. “Pode afetar a questão reprodutiva, porque a reprodução depende da energia, da gordura acumulada, que depende da quantidade de alimentos que ela ingere”.
Mas se engana quem pensa que a jararaca-ilhoa é a única serpente moradora local. A Dipsas albifrons, ou Papa-lesmas, como é popularmente conhecida, também faz parte da fauna da ilha, mas não é peçonhenta. “É uma dormideira que se alimenta de lesmas; ela é bem mais rara e completamente inofensiva”, explica Marques.
O pesquisador Otávio Marques dedica sua pesquisa às serpentes, inclusive, com obras publicadas sobre o tema. A 'Ilha das Cobras' é fruto desse trabalho e reúne os aspectos de conservação, evolução e história natural da jararaca-ilhoa em vasto e rico material, após anos de extensas pesquisas. Apesar de ser probida a visita à Queimada Grande, se o leitor quiser ‘conhecer’ a jararaca-ilhoa, uma visita ao Instituto Butantan resolve. Lá, é possível ver de perto não só essa espécie de serpente como dezenas de outras.
Paulo Henrique Chaves
Formado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH)