Wagner Gomes relata obstáculos na busca por estágio para realizar sonho de ser advogado; Bertioga sedia evento sobre diretos de pessoas com deficiência
Wagner Guanabara Gomes, de 54 anos, estudante de direito no oitavo semestre da Faculdade de Bertioga (FABE), afirma enfrentar desafios para encontrar um estágio e atribui a dificuldade à sua deficiência física.
Gomes, que reside em Bertioga desde 2015, conseguiu uma bolsa integral na unidade de ensino superior para realizar seu sonho de se tornar advogado após superar obstáculos devido a um problema de ordem neurológica - tremores e distúrbios de fala.
Antes de ingressar na faculdade, Gomes ganhava a vida vendendo produtos de limpeza, percorrendo longas distâncias de bicicleta de seu bairro, no centro de Bertioga, até o Indaiá. Em 2018, sua vida tomou um rumo inesperado quando ele descobriu que o vestibular da FABE era gratuito. Decidiu fazer a prova, e por conta de suas dificuldades motoras, um funcionário da faculdade o auxiliou na escrita durante o exame. O resultado foi surpreendente até para ele mesmo: Gomes foi aprovado com uma bolsa integral de estudos.
Um de seus professores, Enio Xavier, recorda o desempenho de Gomes enquanto estudante. "O Wagner era um aluno bem atencioso em sala de aula. Pelo menos no que diz respeito à vontade de aprender, ele sempre se mostrou muito favorável. Ele gostava, não perdia aula, estava sempre atento. E dentro das limitações dele, é claro que foi um bom aluno, sim", expõe o professor que ministrou a disciplina teoria geral do direito.
No entanto, a luta de Gomes para encontrar um estágio tem sido árdua. "Eu já estou quase terminando a faculdade. Todo mundo na minha sala está fazendo estágio, só eu que não. O primeiro estágio que consegui foi no INSS e fiquei apenas dois meses. Eles falavam para eu ficar sentado numa mesa e não me davam nenhuma tarefa, eu ficava sem fazer nada. Me mandaram embora sem dar satisfação, sendo que eu fui pra lá pra aprender."
Em nota enviada ao Portal Costa Norte, o INSS informou que "Durante o período, considerando o desempenho do estagiário, foram realizadas avaliações e promovidas mudanças nas atividades, para melhor aproveitamento do desenvolvimento das tarefas. Somente após tais ajustes e avaliações, o Instituto rescindiu o contrato, por não ter havido o desenvolvimento esperado".
Mais tarde, Gomes conseguiu um estágio no fórum, mas suas limitações físicas foram um obstáculo. Ele abordou a questão de forma franca na entrevista, mas, apesar dos esforços do juiz para acomodá-lo, a falta de recursos adequados para suas necessidades o levou a deixar o estágio em apenas duas semanas. “O juiz tentou de todas as formas viabilizar a aquisição de um computador adaptado que me permitisse digitar com maior agilidade, no entanto, as solicitações foram recusadas. O juiz chegou a se oferecer para custear do próprio bolso o computador adaptado. Ele fez todo o possível, mas, infelizmente, não podia arcar com todos os custos", lamenta Wagner.
O estudante destaca ainda os obstáculos sistêmicos. “O fórum faz parte do sistema de Justiça, que possui recursos financeiros, mas, lamentavelmente, se negaram a adquirir um computador adequado. Essa situação me fez questionar se teria alguma oportunidade de trabalho no futuro", pondera.
Atualmente, Wagner sobrevive com o benefício da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), ligeiramente inferior a um salário mínimo, totalizando R$ 1.302. Deste valor, R$ 800 são destinados ao pagamento de aluguel, restando pouco para as despesas básicas. Sua companheira, que atua como diarista, está atualmente desempregada.
Gomes relata que advogados que ele conhece frequentemente dão desculpas evasivas quando ele solicita um estágio. "Acredito que há muito preconceito. Nasci com um problema físico, mas sei que tenho capacidade de trabalhar", argumenta.
Enio Xavier expressa sua preocupação com a falta de inclusão no setor de direito, especialmente para pessoas com deficiência. “É um mercado de trabalho muito competitivo, muito restrito. O Wagner é uma pessoa que precisa receber o apoio de alguma entidade, de alguém especializado nesse assunto de inclusão, para estudar no que é que o Wagner poderia trabalhar, desenvolvendo algo produtivo para quem o contratar, claro, e para ele mesmo”, finaliza.
Questionado sobre a demissão de Wagner no Fórum de Bertioga, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não retornou até o momento de publicação desta matéria.
1ª Conferência Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência
Em busca de soluções para sua situação como a de Wagner, ele e outros cidadãos com deficiência poderão contar com o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que estabelece um canal de comunicação entre as pessoas com deficiência e o poder público local. A primeira reunião do conselho em Bertioga ocorre na próxima quarta-feira (25), na sede do Lions Clube. Com o tema Cenário atual e futuro na implementação dos direitos da pessoa com deficiência: construindo um Brasil mais inclusivo, a atividade se estende das 9h às 16h e é aberta ao público.
Rebeca Freitas
Formada pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)