Levantamento aponta que homens são 94% das vítimas fatais de afogamentos; disparidade tem relação com traços culturais masculinos, explicam especialistas
Thiago S. Paulo
Publicado em 01/12/2023, às 12h05
Entre cada 100 pessoas que perdem a vida por afogamento nas praias do litoral de São Paulo, 94 são homens e seis são mulheres, aponta um levantamento do Corpo de Bombeiros obtido pelo Portal Costa Norte na quarta-feira (29). Especialistas afirmam que a disparidade de gênero entre as vítimas tem estrita relação com hábitos culturais masculinos.
“A gente deveria fazer um estudo mais aprofundado, mas o que podemos dizer com propriedade é que observamos um comportamento mais perigoso típico do homem. Então o homem se expõe a mais situações de risco”, explicou em entrevista ao Portal Costa Norte o tenente Guilherme Vegse, comandante do posto do Corpo de Bombeiros guarda-vidas em Bertioga.
Existe o que a gente chama de toxicidade masculina. Generalizando para explicar melhor, o homem olha o risco e acha que não está tão grande. Ele subestima o risco no ambiente e superestima a capacidade dele de enfrentar esse risco. A mulher olha e fala assim: ‘não, isso aí não é para mim’. Ela entende melhor a capacidade dela de enfrentar aquele risco”, complementa o médico e secretário geral da Sobrasa (Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático) David Szpilman.
O levantamento foi elaborado pela Polícia Militar e pelo Comando do Corpo de Bombeiros do Interior-3 com base em todos os afogamentos registrados nas praias paulistas ao longo de 2022. De acordo com o relatório, 94,44% das mortes por afogamento no litoral de SP são de homens. Isso significa que de cada 16 óbitos por afogamento, 15 são de homens e um é de mulher.
Entre as vítimas, 54% têm entre 19 e 42 anos. O levantamento não indica a quantidade geral de óbitos nas águas no ano de referência. No entanto, segundo dados do GBMar (Grupamento de Bombeiros Marítimo), de 1º de janeiro até 14 de novembro deste ano, as praias do litoral já registravam 60 mortes por afogamento – uma a cada cinco dias, em média.
Tenente coronel do corpo de bombeiros do RJ, Szpilman explica que a incidência maior de homens entre vítimas de afogamento é um dado da realidade no mundo inteiro. “No Brasil, homens na faixa de 15 a 24 anos morrem afogados 17 vezes mais que mulheres da mesma idade e São Paulo tem 35% da população brasileira. É uma questão do homem e do Brasil principalmente, mas estatísticas internacionais mostram uma semelhança muito grande com o que acontece lá fora também”.
Szpilman e Vegse fazem coro ao afirmar que más avaliações de risco combinadas com disputas masculinas de virilidade, além de necessidade de firmação também contribuem com a alta incidência de mortes de homens nas águas.
Quando homens estão em grupos, muitos têm uma atitude ilusória para criar uma impressão um pouco mais viril. O rapaz está com uma garota, ele quer causar uma impressão. Não é raro eles criarem disputas entre eles, de quem vai até mais fundo, de quem nada mais rápido, tentam fazer brincadeiras utilizando objetos flutuantes, que são muito perigosos, sem a habilidade e o conhecimento necessários”, afirma Vegse.
“Um outro comportamento [masculino] que acontece muito em praias, rios, lagos e represas, é o homem estar em grupo, um deles tem condição de entrar naquele local, o outro não tem. Mas o que não tem não pode ser rebaixado ou ficar de lado. Então ele é impactado a entrar também. Só que ele não tinha condições como o outro que entrou”, complementa Szpilman.
Também maior entre homens, o uso de álcool nas praias é outra variável que contribui para a maior partes das vidas ceifadas nas águas serem masculinas, explicam os especialistas. “O álcool faz com que a pessoa subestime o risco e superestime sua capacidade ainda mais, fica corajoso pra caramba. E como o afogamento não perdoa, ou seja, se o guarda-vidas não estiver no local, ele morre”, avalia Szpilman.
“Os efeitos de bebidas alcoólicas são potencializadores dos acidentes”, emenda Vegse. “Homens também são mais resistentes a acatar os pedidos, as solicitações ou as ordens dos guarda-vidas. Teimam mais, às vezes até batem boca. Nós temos aí, infelizmente, registros de incidentes de vias de fato com o profissional que está lá na areia pra fazer a orientação”.
Como grande parte das mortes masculinas no mar são causadas por comportamentos adquiridos, Szpilman avalia que mudanças comportamentais que levem a menos mortes são possíveis, mas dependem de maior universalização sobre os riscos do mar e sobre más condutas que podem levar à morte nas águas.
“O caminho é um caminho de formiguinha, mas a solução é através da educação das crianças nas escolas. O nosso investimento da Sobrasa é levar informação às escolas, às academias com professores de natação. Porque é ali que a gente consegue ir educando. Quando essa criança chegar à adolescência, ela vai ter mais respeito aos riscos dos mar”.
“Todos nós somos frutos daquilo que nós lemos, estudamos, praticamos e conhecemos”, complementa Vegse. “Então, através da educação pública, campanhas de conscientização sobre os perigos do mar nas escolas, com certeza, aos poucos, será possível criar um projeto de educação, uma consciência, que fará reduzir esses números. A pessoa que mora na praia, via de regra, conhece os perigos, sabe quais são as praias perigosas, conhece a região em que mora. A conscientização precisa chegar aos turistas que muitas vezes, por desconhecimento, se colocam numa situação de risco iminente”.
Thiago S. Paulo
Formado em Comunicação Social na Universidade São Judas Tadeu e estudante de direito na Universidade de São Paulo (USP)