O diagnóstico pode demorar em média dez anos para ser estabelecido
30 de março é o Dia Mundial do Transtorno Bipolar em homenagem ao aniversário do pintor Vincent Van Gogh, que foi diagnosticado como possível portador do transtorno. O objetivo da data é despertar a consciência mundial para transtornos bipolares e eliminar o estigma social.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o transtorno bipolar atinge cerca de 140 milhões de pessoas em todo o mundo e está entre as 10 principais doenças incapacitantes em adultos jovens. Já a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB) aponta que as taxas de suicídio em pacientes com bipolaridade são de 7,8% em homens e de 4,9% em mulheres.
“A doença é crônica, caracterizada pela recorrência de episódios de mania/hipomania e depressão. As manifestações clínicas geralmente aparecem no final da adolescência e início da fase adulta, o que leva a grandes deficiências, redução da expectativa de vida e altas taxas de mortalidade”, explica Danielle H. Admoni, psiquiatra geral, preceptora na residência da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM) e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
O transtorno bipolar é dividido em dois grupos: tipo 1 e tipo 2. Cada um deles é determinado pelo padrão de sintomas que a pessoa apresenta, que são bastante heterogêneos.
No tipo 1, há episódios de mania, em que o indivíduo tem um aumento da energia, euforia, uma alegria intensa e felicidade fora do normal. Também apresenta ideias de grandeza, superioridade ou elevada autoestima e autoconfiança excessiva, que pode atingir um grau fora da realidade. A pessoa pode apresentar também irritabilidade e impulsividade de forma exacerbada.
“O pensamento fica acelerado, muitas ideias e projetos fluem simultaneamente ou numa sequência tão rápida que fica difícil entender sobre qual assunto a pessoa está falando”, diz a psiquiatra. Há diminuição da necessidade de sono, comportamento sexual excessivo, descontrole nos gastos e atitudes sem a percepção de sua inadequação. Fica agitado, eventualmente agressivo, distraído e totalmente desconcentrado.
Já no tipo 2, o quadro abrange a hipomania, cujas características são similares ao de mania, mas com sintomas mais brandos; e a depressão, envolvendo tristeza profunda, perda de interesse por tudo, pensamentos negativos (ideias de ruína, culpa, inutilidade, baixa autoestima) que podem ser intensos a ponto de configurar um delírio. Também há modificações no sono: enquanto algumas pessoas têm insônia, outras apresentam hipersonia (dormem mais do que o habitual).
Em relação ao apetite, pode haver aumento no consumo de alimentos como forma de aliviar a ansiedade. No entanto, a perda de apetite é mais comum neste quadro. Há também diminuição da libido, perda do prazer, fadiga excessiva e desinteresse por tudo. “A pessoa mal tem vontade de levantar da cama pela manhã ou não existe força para realizar suas atividades básicas da vida diária”, ressalta Danielle Admoni.
A sequência de manifestação dos episódios maníacos/hipomaníacos e depressivos é variada, ou seja, não acontece, necessariamente, de forma alternada. Os eventos de hipomania e mania, assim como os de depressão, têm duração, em geral, de dias ou semanas.
O transtorno bipolar é uma das doenças psiquiátricas com maior índice de suicídios, ao lado da depressão. Segundo a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, de 30% a 50% dos pacientes com o diagnóstico tentam o suicídio, sendo que cerca de 15% concretizam o ato.
No quadro agudo de euforia, a pessoa tem a sensação de que pode tudo, inclusive se colocar em situações de risco, podendo levar ao ato suicida. Já na depressão, a intensidade da angústia, da perda de interesse pela vida e dos pensamentos sempre negativos acaba chegando ao extremo do suicídio.
“Por isso, no transtorno bipolar, detectar os sintomas e o risco de um quadro suicida é uma tarefa ainda mais complexa, pois tanto na fase depressiva quanto na euforia existe a possibilidade do paciente chegar ao ponto do suicídio”, pontua Admoni.
O diagnóstico costuma ser bastante difícil e pode demorar em média dez anos para ser estabelecido devido a tratamentos equivocados, ausência de comunicação entre os profissionais envolvidos, desconhecimento sobre como a doença se manifesta (seja pela falta de conhecimento ou pela confusão dos seus sintomas com os de outros tipos de depressão), preconceito e autoestigmatização.
O histórico do indivíduo é decisivo para o diagnóstico conclusivo, já que alterações de humor anteriores, episódios atuais ou passados de depressão, histórico familiar de perturbação do humor ou suicídio e ausência de resposta ao tratamento com antidepressivos alertam para o diagnóstico do transtorno bipolar.
“A maioria dos pacientes não procura o psiquiatra na fase de hipomania, mas apenas quando entram em depressão. Se o diagnóstico não for exato, ou seja, se não houver uma maior investigação que aponte o transtorno bipolar, o uso de medicações antidepressivas, sem estabilização do humor, pode piorar o quadro”, alerta Danielle Admoni.
A causa exata do transtorno bipolar é desconhecida, mas estudos sugerem que o problema pode estar associado a alterações em certas áreas do cérebro e nos níveis de vários neurotransmissores, como noradrenalina, serotonina e dopamina. “Esse desequilíbrio reflete uma base genética ou hereditária para o transtorno. Há também fatores ambientais/externos, conhecidos como epigenéticos, como o uso de substâncias psicoativas (anfetaminas, álcool e cocaína, por exemplo)”.
O tratamento depende da fase da doença. De acordo com a psiquiatra, os quadros maníacos/hipomaníacos são tratados com estabilizadores do humor, como o lítio, anticonvulsivantes e antipsicóticos. Já nos quadros depressivos podem ser antidepressivos devidamente associados com estabilizadores do humor e por curto período de tempo, para evitar a ocorrência de um quadro maníaco/hipomaníaco.
“O transtorno bipolar tem forte impacto na vida da pessoa e de seus familiares, comprometendo aspectos sociais, afetivos e profissionais. Além disso, mais da metade dos pacientes não respondem adequadamente às medicações. Portanto, há uma necessidade urgente de tratamentos coadjuvantes, visando à remissão completa do transtorno”, finaliza Danielle Admoni.
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