CONSCIENTIZAÇÃO DO AUTISMO

Autismo: saiba o que são crises nervosas

Especialistas explicam as principais características das crises nervosas do Transtorno do Espectro Autista, como identificá-las e lidar com elas

Thiago S. Paulo
Publicado em 02/04/2023, às 06h01 - Atualizado às 10h16

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Com atuação no diagnóstico e tratamento do Transtorno do Espectro Autista, médico neurologista Thiago Simões e psicóloga Daniela Macedo explica as principais características das crises Autismo: o que são, como identificar e lidar com crises nervosas Montag - Imagem: Acervo / Thiago Simões / Daniela Macedo
Com atuação no diagnóstico e tratamento do Transtorno do Espectro Autista, médico neurologista Thiago Simões e psicóloga Daniela Macedo explica as principais características das crises Autismo: o que são, como identificar e lidar com crises nervosas Montag - Imagem: Acervo / Thiago Simões / Daniela Macedo

Neste domingo (2), é celebrado o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. A data foi criada pela ONU em 2008 como parte do Abril Azul, comemorado anualmente como um mês dedicado à conscientização sobre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).

Para o médico neurologista Thiago Simões e a psicóloga Daniela Macedo, ambos com atuação no diagnóstico e tratamento de pessoas que estão dentro do TEA, a data é necessária e pode ajudar a desfazer entendimentos equivocados sobre a condição.

Em entrevista ao Portal Costa Norte, os profissionais explicaram o que caracteriza o transtorno, a importância de um mês de conscientização e o que são, como identificar e lidar com crises nervosas de pessoas com TEA. Confira

Como caracterizar o Transtorno do Espectro Autista?

Thiago: O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, afeta a maneira como o cérebro se desenvolve e reage a estímulos durante o surgimento de conexões cerebrais na infância com impacto sobretudo na socialização, na linguagem e nos padrões de comportamento e de interesses, que são restritos e repetitivos, havendo o que chamamos de rigidez cognitiva. Além disso, também é comum que questões sensoriais façam parte do transtorno, como sensibilidade a sons, luminosidade, toques físicos, texturas etc. Há uma grande variação individual de sintomas e por isso usamos o conceito de espectro. 

Daniela: O Transtorno do Espectro Autista é muito amplo, cada pessoa tem suas características diferentes. Existem as mesmas dificuldades que fecham o diagnóstico, porém cada um tem um jeito certo de lidar, uns gostam de abraços, outros não, uns olham nos olhos, outros não; autismo não tem cara para se definir, existem pessoas com suas diferenças e tentando vencer suas dificuldades dia após dia.

Com atuação no diagnóstico e tratamento do Transtorno do Espectro Autista, médico neurologista Thiago Simões e psicóloga Daniela Macedo explica as principais características das crises Autismo: o que são, como identificar e lidar com crises nervosas Montag (Imagem: Acervo / Thiago Simões / Daniela Macedo)

Qual a importância do Mês Mundial da Conscientização do Autismo?

Daniela: Levar o máximo de informação para a população, conhecimentos sobre o TEA, e assim fazer com que as pessoas se conscientizem e juntos combatamos a discriminação.

Thiago: O Transtorno do Espectro do Autismo ainda é muito desconhecido do grande público e mesmo dos profissionais de saúde. As pessoas acreditam que o autista seja alguém com uma doença mental, disfuncional, com inúmeras limitações e com feições claras. Isso não é verdade. O autismo não tem cara. Há, sim, autistas que demandam maior suporte e são mais estereotipados, assim como há autistas com características mais sutis. Conscientizar o grande público sobre o que é o autismo, ressaltando que não é uma doença, mas um transtorno, é essencial quando falamos em um mês de conscientização. 

Especificamente no caso de pessoas que estão dentro do Transtorno do Espectro Autista, o que são as crises nervosas?

Thiago: O autista pode possuir dificuldades em socializar, em se comunicar e entender linguagem verbal ou não verbal, além de ser metódico com certo apego a rotinas. Além disso, de certo modo, seus sentidos podem estar amplificados com desconforto a sons, luzes e texturas muito específicas. Isso tudo traz conflitos de adaptação, seja por mudanças de rotina ou sobrecarga dos sentidos, podendo desencadear crises em situações específicas. É como se o aparato psicológico e cerebral do autista não conseguisse se adaptar a tantos estímulos e mudanças ao mesmo tempo e então entrasse em colapso, tornando o indivíduo disfuncional por um período. 

Daniela: As crises são caracterizadas por uma série de fatores que geram estresses; o termo em inglês é meltdown que significa “derretimento” e é o que acontece nos momentos de crise quando ocorre uma espécie de colapso e a pessoa não consegue gerenciar suas emoções.

Toda pessoa no TEA tem crises nervosas? O que pode desencadeá-las?

Daniela: Todos em algum momento de sua vida passam por alguma desregulação emocional pelo fato de se depararem com alguma sensibilidade e dificuldade de processamentos sensoriais que elas tenham. Depende da sensibilidade que o autista tem. Alguns se desregulam se tiver alterações na rotina, outros com barulho, muitos estímulos visuais, contatos físicos em excesso etc.

Thiago: Nem todo autista tem crises, pois isso depende da variação individual dessas sensibilidades e rigidez cognitiva com apego a rotinas; Indivíduos mais metódicos e com maior rigidez e dificuldade de se adaptar a mudanças podem entrar em sofrimento psicológico quando expostos a alterações súbitas e imprevistas em suas rotinas: uma mudança de emprego, uma apresentação em público, um término de relacionamento, uma viagem de última hora. Existe mesmo um apego a fazer os mesmos caminhos, sentar-se nos mesmos lugares, frequentar os mesmos ambientes, pedir as mesmas comidas nos restaurantes etc. Outros possuem maior sensibilidade, incomodando-se mais com sons e ruídos específicos, ambientes com muita luminosidade, excesso de luzes piscando etc. Todas estas características combinadas, em indivíduos mais ou menos sensíveis a tantos estímulos e mudanças, podem levar ao surgimento dessas crises. 

É possível evitar ou prevenir as crises nervosas? Como?

Thiago: As crises podem ser prevenidas conhecendo-se os limites de adaptação individual de cada autista. Temos terapias com enfoque psicológico que buscam trabalhar sua adaptação a situações inesperadas com maior flexibilidade a mudanças, além de buscar melhorar a modulação do excesso de sensibilidade sensorial. De certo modo, precisamos traçar estratégias para dosar até quando o autista deve se expor a situações que o incomodam com o objetivo de construir uma mentalidade mais adaptada e ao mesmo tempo evitar sofrimento. Os autistas adultos, por exemplo, evitam situações que irão lhes trazer desconforto ou risco de crises. Muitos usam abafadores de ruídos nos ouvidos, pois sabem que o excesso de sons pode deixá-los incomodados. Outros evitam ambientes novos ou planejam sua rotina de maneira muito metódica, evitando que ocorram mudanças não previstas de forma a lhes proporcionar mais conforto pela previsibilidade de como as coisas irão acontecer. Às vezes, lançamos mão de medicações que podem controlar e reduzir sintomas ansiosos que  contribuem para exacerbar tais crises. Cada indivíduo demanda uma estratégia individualizada, pois cada autista é único. 

Daniela: Na maioria das vezes, sim, mas depende muito do que desregula a pessoa. Então não há uma receita pronta. Existem crianças, por exemplo, que se desregulam com alterações na rotina. Para evitar isso, é importante que a criança tenha acesso a uma rotina visual como um quadro para que ela veja antecipadamente o que vai ocorrer no dia dela, mas isso nem sempre funciona com todas as crianças. Por essa razão, todo processo precisa ser bem avaliado, principalmente o que ocorre antes da crise, durante e depois para assim entendermos qual melhor plano de intervenção.

Como lidar com uma pessoa no TEA em crise nervosa? O que fazer e não fazer?

Daniela: A principal ação é manter a segurança da pessoa para que ela não se machuque, dependendo de como se sinta mais segura. Algumas pessoas aceitam um abraço forte para trazer calma, com outros você precisa só mesmo ficar em volta para evitar que se machuque. Se você não conhece a pessoa que está tendo a crise, o principal é tentar manter a segurança para que ela não se machuque.

Thiago: A melhor maneira de lidar com uma crise é fornecer suporte emocional. Retirar a pessoa de um ambiente desconfortável, reduzir o excesso de estímulos sensoriais, oferecer acolhimento e auxílio sobre aquilo que a pessoa está sentindo, buscando compreender o que ela gostaria que fosse feito naquele momento. Tudo isso é essencial. É preciso compreender que uma crise é um momento de desregulação, que é temporário e que o autista essencialmente precisa se regular novamente. Não julgar os sentimentos e os desconfortos que estão ocorrendo naquele momento também é de auxílio, pois muitas vezes o indivíduo se sente exposto e julgado durante uma crise, o que alimenta mais ainda sua ansiedade e contribui para uma percepção de que a crise está piorando.

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