LIGAÇÃO SECA

Túnel Santos-Guarujá: projeto de ligação seca ganha força

Promessa para concretizar a proposta de quase 100 anos ganha embalo; questões financeiras e políticas são desafios para execução do projeto

Thiago Reis Dantas
Publicado em 30/01/2023, às 09h53 - Atualizado às 14h47

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Além do escoamento de produtos a granel , o porto também tem grande movimentação de containers TERMINAL DE CONTAINERS Visão aérea do terminal de containers - SPA
Além do escoamento de produtos a granel , o porto também tem grande movimentação de containers TERMINAL DE CONTAINERS Visão aérea do terminal de containers - SPA

Moradores de Santos e Guarujá com certeza já ouviram muita história sobre a construção de uma ponte ou de um túnel ligando os dois municípios, história que para muitos virou lenda. Atualmente, quem precisa atravessar o canal que divide as duas cidades, motorizado ou de bike, tem a opção de encarar a sofrível travessia de balsa ou dar uma volta de 40 quilômetros pela rodovia Cônego Domênico Rangoni.
De acordo com o Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo (SEESP), a discussão sobre a ligação seca entre Santos e Guarujá tem quase um século. Em 1927, por exemplo, já se estudava a construção de um túnel escavado para a passagem de um bonde elétrico.
Em 1948, o governo estadual queria construir uma ponte levadiça; em 1970, a alternativa de uma ponte foi cogitada.  Nos anos 2000, a ideia para a construção do túnel voltou, mas os estudos da obra foram interrompidos e o projeto mais uma vez foi abortado.

Depois dessa viagem no tempo, chegamos a 2023, e novas promessas para ligação entre os dois municípios voltaram à tona. O atual ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, esteve em Santos no começo do ano, e afirmou que ‘fazer o túnel não é tão complicado'. França também disse que a construção não está vinculada a desestatização do porto. “Nós vamos dar solução, ela será rápida e as pessoas vão se surpreender”.

O ministro Márcio França, o prefeito Rogério Santos e o deputado Paulo Alexandre Barbosa durante a inauguração de uma passarela na região da Alfândega AUTORIDADES NO PORTO Autoridades e políticos reunidos durante uma cerimônia no porto (SPA)

O ministro informou que vai resgatar o projeto do túnel, elaborado durante a gestão do ex-governador de São Paulo e atual vice-presidente da República Geraldo Alckmin. Os estudos de impacto foram realizados à época, mas a proposta não avançou.
“Deixamos o projeto básico pronto e o executivo na Dersa. Vamos usar aquela mesma modelagem e fazer o túnel com recursos próprios”. Márcio era vice-governador e a Dersa foi extinta.

Desafios para construção


Na opinião do presidente da Delegacia Sindical do SEESP na Baixada Santista, Álvaro Luiz Dias de Oliveira, para a realização do projeto de um túnel, novos estudos de modelagem terão que ser apresentados e serão ponto decisivo no modelo final a ser escolhido. Álvaro é a favor das duas alternativas (submerso e ponte), mas, na opinião do engenheiro, o túnel deve ser construído primeiro.
"Para você ter um preço estimado, tem que haver no mínimo um anteprojeto palpável, um embasamento técnico, inclusive do melhor local para construção da obra e o traçado que será escolhido. Esse estudo foi feito (anos atrás), mas foi construído um cais nesse período (margem direita do porto) em frente à Marinha, e o túnel passaria exatamente sob esse lugar, e você não pode ter um túnel com uma estaca ao mesmo tempo. Tem que ser mudado o traçado”.
Em 2021, Álvaro publicou um artigo no site do sindicato e fez uma comparação de valores entre as duas opções. “Segundo o último projeto da Ecovias, a construção de uma ponte com 7,5km, 85m de altura e 750 m de largura entre os pilares do vão principal custaria cerca de R$ 2,9 bilhões. O túnel sob o canal do estuário estava estimado em R$ 2,5 bilhões”. Na opinião do engenheiro, os dois valores são superestimados.
O então ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas, deixou claro à época, que o Governo Bolsonaro tinha preferência pela construção da segunda opção, algo que estaria incluído no processo de desestatização da Autoridade Portuária de Santos (SPA). 

O governador de São Paulo durante a cerimônia de posse na Alesp; Tarcísio é a favor da desestatização da SPA GOVERNADOR TARCÍSIO DE FREITAS Governador Tarcísio de Freitas na Assembleia Legislativa de SP (Alesp)

O atual ministro de Portos e Aeroportos do governo Lula, Márcio França, se mostrou resistente à desestatização. Independentemente da realização da privatização, o ministro promete a construção. “Vamos trabalhar para a ligação seca ser feita rapidamente e com recursos do Porto ou mesmo por uma Parceria Público Privada. Do jeito que o governo derrotado nas eleições propunha, vinculando a obra a uma concessão, as obras do túnel começariam daqui a 7 anos. Conosco será muito mais rápido!”.
O presidente da Delegacia Sindical do SEESP em Santos afirma que outras questões também interferem no processo. “A vontade política é o que comanda o país. Nem sempre a melhor técnica é a que vence”, declarou Álvaro.

Cidades envolvidas

O prefeito de Santos disse em entrevista ao portal Costa Norte que não é contra a desestatização. "Sempre questionei a velocidade e o modelo que estava sendo adotado pelo Governo Federal para a privatização. As cidades da Baixada Santista, especialmente aquelas que abrigam setores do porto, como Santos, Guarujá e Cubatão, precisam ser ouvidas sobre os impactos trazidos por essa atividade".

"O porto é parte da Baixada Santista, que é impactada pelo fluxo de caminhões no meio ambiente, turismo, segurança e emprego”, disse o prefeito Rogério Santos. “Agora, na nova gestão federal a cargo do ministro Márcio França, há um novo entendimento sobre os assuntos portuários, com maior foco na privatização de serviços como a dragagem e de terminais, mas mantendo-se o controle governamental da gestão. Márcio é da Baixada Santista e entende bem as demandas da região”.

Além do escoamento de produtos a granel , o porto também tem grande movimentação de containers TERMINAL DE CONTAINERS Visão aérea do terminal de containers (SPA)

Valter Suman, prefeito do Guarujá acredita que toda a Baixada Santista anseia por uma solução para a ligação seca entre as duas cidades, o que acabou se traduzindo no projeto do túnel sob o canal do estuário.

“Temos um porto que é crucial para a balança comercial brasileira. O Governo Federal mantém o interesse em tirar esse estratégico projeto do papel, independentemente do formato de sua execução, e isso é extremamente positivo.
O fato novo é que agora temos o ministro Márcio França, que é daqui e conhece os reais benefícios que esse túnel trará tanto para a comunidade portuária quanto para a mobilidade dos moradores no dia a dia. No que depender do Município de Guarujá, estamos prontos a contribuir para viabilizar toda e qualquer iniciativa que caminhe nessa direção”, disse por e-mail a assessoria da prefeitura.

Deputados se manifestam

A jornalista e deputada federal reeleita Rosana Valle é uma das defensoras do projeto. No Twitter, Rosana cobrou ação do novo governo. “Espero que o túnel seja prioridade nesse governo. Não aguentamos mais ouvir tantos projetos sobre a ligação seca”, twittou a deputada.


O deputado federal Paulo Alexandre Barbosa destacou que os governos estadual e federal devem trabalhar juntos para que resultados efetivos sejam alcançados. "Vou trabalhar junto ao presidente e ao governador para tirarmos este tema (ligação seca) do papel” (sic), disse o ex-prefeito de Santos.


Iniciativa tem mobilização na internet

O site voudetunel.com.br é um exemplo do anseio pela obra entre os dois municípios. Diversas empresas, associações, entidades e sociedade civil estão engajadas em prol da construção. A página elenca uma série de benefícios na opção pelo túnel, além de literalmente ‘pedir’ ao internauta que navega pelo site a assinatura de uma petição.
Na capa do portal, um texto diz que para o projeto do túnel ‘sair do papel’ precisa do visitante do site, e até uma seção de ‘mitos e verdades’ mostra os porquês da importância do projeto.

Autoridade Portuária

Nós procuramos a Santos Port Authority (SPA) para comentar o caso, mas a assessoria de imprensa do órgão disse que se manifestaria após a escolha da nova diretoria da entidade.

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