ENTREVISTA

Protestos bolsonaristas nas rodovias extrapolam direito à manifestação, avalia advogado

Em entrevista ao Portal Costa Norte, mestre em direito avalia protestos nas estradas brasileiras e apelos por intervenção militar após resultado das eleições

Thiago S. Paulo
Publicado em 04/11/2022, às 12h20 - Atualizado às 13h56

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Bloqueio de rodovia no DF capa - Protestos bolsonaristas nas rodovias extrapolam direito à manifestação, avalia advogado Pessoas bloqueando estradas - Imagem: Reprodução / Minervino Junior / Correio Brasiliense
Bloqueio de rodovia no DF capa - Protestos bolsonaristas nas rodovias extrapolam direito à manifestação, avalia advogado Pessoas bloqueando estradas - Imagem: Reprodução / Minervino Junior / Correio Brasiliense

Nesta sexta (4), o Brasil entra no quinto dia após as eleições presidenciais com trechos de estradas bloqueados por manifestantes bolsonaristas. O número de bloqueios ou interdições, que na segunda-feira ultrapassou 300 rodovias em 25 estados, refluiu para 73 em sete estados na tarde de ontem e para 15 em cinco estados nesta sexta, segundo as últimas informações da PRF (Polícia Rodoviária Federal).  

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Nas principais rodovias do litoral de SP, os bloqueios se acentuaram entre segunda e terça quando o governo paulista determinou que a polícia militar interferisse e as estradas foram liberadas.

Bloqueios na Rodovia Rio-Santos, no litoral de São Paulo Rio-Santos manifestação Carros parados no trânsito e pessoas segurando bandeiras do Brasil na mão e colocando na pista (Imagem: Reprodução)

Os manifestantes contestam o resultado das eleições e fazem apelos por intervenção militar, citando o artigo 142 da Constituição que supostamente chancelaria uma interferência das Forças Armadas no resultado das urnas.

Tal como fez o próprio Bolsonaro em dois minutos de pronunciamento após 44 horas de silêncio quanto ao resultado das urnas, parte da ala negacionista e fanática do bolsonarismo chega a condenar timidamente o fechamento das estradas, mas defende a legitimidade dos protestos.

Todavia, na avaliação do mestre em Direito pela USP (Universidade de São Paulo), Vitor Lucena, além dos protestos serem antidemocráticos, eles extrapolam o direito à manifestação. 

Advogado com atuação em direito constitucional e eleitoral, Lucena  analisou as principais características e o universo de argumentos que envolvem os protestos em entrevista ontem (3) ao Portal Costa Norte. Ele sustenta que as exigências por subversão ao resultado das eleições presidenciais “são golpistas, porque querem algo que o direito brasileiro não prevê”. Leia a entrevista abaixo.  

Os bloqueios nas estradas brasileiras são antidemocráticos?

São antidemocráticos, na forma e no conteúdo. Na forma porque apesar do direito de manifestação ser garantido na constituição, ele não pode ser feito de qualquer maneira, frustrando indefinidamente o direito das demais pessoas de se deslocar por uma minoria, impedindo serviços públicos e atividades particulares essenciais etc. E no conteúdo porque são a favor de um golpe no sistema democrático.

Os bloqueios nas rodovias são golpistas? Por quê?

São [atos] golpistas porque querem algo que o direito brasileiro não prevê: reverter o resultado eleitoral legítimo de domingo, pedindo que as Forças Armadas intervenham nos poderes constituídos, substituindo a vontade do povo coletada por meio do voto.

De que forma os bolsonaristas insatisfeitos com o resultado das eleições poderiam protestar sem incorrer em atos antidemocráticos e golpistas?

Eles podem reunir provas de que houve alguma conduta ilegal da parte da chapa vencedora, que ensejasse uma ação que impedisse a diplomação, por algum abuso de poder econômico, fraude, corrupção, ou a cassação da chapa eleita. Após tomarem posse, se alguma conduta dos eleitos puder ser encarada como crime de responsabilidade, podem dar entrada em processo de impeachment ou denunciar ao Ministério Público Federal por crime comum. Existem muitas formas de um eleito perder o cargo, mas não pela força no direito brasileiro.

Vítor Lucena é advogado e mestre em Direito pela USP (Universidade de São Paulo), com atuação nas áreas de direito eleitoral, financeiro e constitucional Vitor Lucena - Bloqueios nas estradas não são só antidemocráticos, como são ‘golpistas’ e ‘criminosos’ (Imagem: Acervo Pessal / Vitor Lucena)

Leia também as analises de professora de ciência política e historiadora sobre os protestos antidemocráticos nas rodoviais

Bolsonaristas têm citado que o artigo 142 da Constituição supostamente chancelaria uma interferência das Forças Armadas no resultado das eleições, qual sua avaliação desta interpretação?

Uma leitura simples, por parte de qualquer pessoa, mesmo leiga em direito, não autoriza uma interpretação do Art. 142 e seus parágrafos no sentido de que as Forças Armadas possam intervir no processo eleitoral. Diz, pelo contrário, que estas estão subordinadas aos poderes constitucionais (executivo, judiciário e legislativo). Toda autoridade pública, civil ou militar, que entender que pode atuar arbitrariamente contra os poderes constituídos, deve ser investigada e punida. 

Nesta quarta, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, declarou que ‘’estamos diante de uma organização criminosa” ao citar quem possa estar por trás dos protestos. Como você avalia esta declaração?

Correto. Inclusive, o Código Penal foi reformado em 2021 pela Lei nº 14.197 para inserir os Crimes contra o Estado Democrático de Direito. Em particular, dentre os Crimes Contra as Instituições Democráticas, o Art. 359-L prevê pena de reclusão para quem, com emprego de violência ou grave ameaça, impede ou restringe o exercício dos poderes constitucionais, e no Art. 359-M, tenta depor o governo legitimamente constituído. É crime.

Bolsonaristas mais fanáticos argumentam que o bloqueio é democrático e, quando muito, somente admitem que há um problema na forma dos protestos. O que você diria sobre isso?

Além da forma estar errada, desde o princípio, mas principalmente quando há ordem judicial para desobstruir as estradas, também o conteúdo dos protestos é totalmente contra o exercício dos poderes democráticos no Brasil.

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Qual a sua avaliação sobre os bloqueios?

Para além de tudo que foi dito no âmbito jurídico, do ponto de vista político é um desastre. Uma camada ainda que pequena da sociedade, que foi incensada pelo candidato a presidente da república derrotado no último domingo, não só não acredita no pacto democrático da sociedade brasileira como está disposta a fazer valer suas vontades por meio da força. E ainda encontra eco em funcionários públicos das polícias e das Forças Armadas. Felizmente, é uma absoluta minoria, mas cujas ações devem ser apuradas e exemplarmente punidas.

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