ENTREVISTA

Bloqueios de rodovias são “tática de guerrilha criminosa”, analisa cientista política

Em entrevista ao Portal Costa Norte, professora de ciência política avalia protestos nas estradas brasileiras e apelos por intervenção militar após resultado das eleições

Thiago S. Paulo
Publicado em 04/11/2022, às 11h32 - Atualizado às 12h43

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Alessandra Maia, doutora em ciências sociais e professora do departamento de Ciência Política da Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro Alessandra Maia - Bloqueios nas estradas não são só antidemocráticos, como são ‘golpistas’ e ‘criminosos’, a - Imagem: Acervo Pessoal / Alessandra Maia
Alessandra Maia, doutora em ciências sociais e professora do departamento de Ciência Política da Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro Alessandra Maia - Bloqueios nas estradas não são só antidemocráticos, como são ‘golpistas’ e ‘criminosos’, a - Imagem: Acervo Pessoal / Alessandra Maia

Nesta sexta (4), o Brasil entra no quinto dia após as eleições presidenciais com trechos de estradas bloqueados por manifestantes bolsonaristas.  O número de bloqueios ou interdições, que na segunda-feira ultrapassou 300 rodovias em 25 estados, refluiu para 73 em sete estados na tarde de ontem e para 15 em cinco estados nesta sexta, segundo as últimas informações da PRF (Polícia Rodoviária Federal).  

Nas principais rodovias do litoral de SP, os bloqueios se acentuaram entre segunda e terça quando o governo paulista determinou que a polícia militar interferisse e as estradas foram liberadas.

Os manifestantes contestam o resultado das eleições e fazem apelos por intervenção militar, citando o artigo 142 da Constituição que supostamente chancelaria uma interferência das Forças Armadas no resultado das urnas.

Tal como fez o próprio Bolsonaro em dois minutos de pronunciamento após 44 horas de silêncio quanto ao resultado das urnas, parte da ala negacionista e fanática do bolsonarismo chega a condenar timidamente o fechamento das estradas, mas defende a legitimidade dos protestos.

No entanto, na avaliação da professora de ciência política da PUC-Rio, Alessandra Maia, além de antidemocráticos, os atos são “golpistas” e “criminosos” na forma e nas exigências.

Em entrevista ao Portal Costa Norte nesta quinta (3), a acadêmica analisou as principais características e o universo de argumentos que envolvem os protestos. Ela sustenta que o fechamento das estradas ultrapassam os limites constitucionais e podem ser caracterizados como ‘’tática de guerrilha".  Leia abaixo a entrevista

Os bloqueios nas estradas brasileiras são antidemocráticos?

O problema maior da disposição das pessoas quando elas estão bloqueando as estradas é que esses bloqueios, intencionalmente, trazem a mensagem de que não se quer respeitar o resultado da eleição [presidencial]. Então, em primeiro lugar, isso já é um crime contra a democracia, por estar justamente contradizendo o que estabelece a nossa Constituição e todo o rito democrático brasileiro.

Em segundo lugar, ao bloquearem as estradas intencionalmente, por querer questionar o resultado das eleições, os manifestantes produzem caos social e impedem o direito de ir e vir de todo o restante da população. Isso é muito grave, porque isso caracteriza uma tática de guerrilha. Dentro do pensamento político, isso pode ser atribuído a grupos que estão atentando contra o estado de direito, o que justificaria a prisão deles.

Alessandra Maia, doutora em ciências sociais e professora do departamento de Ciência Política da Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro Alessandra Maia - Bloqueios nas estradas não são só antidemocráticos, como são ‘golpistas’ e ‘criminosos’, a (Imagem: Acervo Pessoal / Alessandra Maia)

Leia também as analises de mestre em direito e historiadora sobre os protestos antidemocráticos nas rodoviais

Os bloqueios nas rodovias são golpistas? Por quê?

Sim. Porque eles querem derrubar a democracia. O que eu acho mais grave, que deve chamar a atenção da sociedade, é que isso é insubordinação civil, com o agravante de que, quando recebe eventual apoio de setores da polícia ou de qualquer outro órgão de estado, isso traz a característica também de insubordinação militar. Isso é grave e precisa haver investigação e responsabilização.

De que forma bolsonaristas insatisfeitos com o resultado das eleições poderiam protestar sem incorrer em atos antidemocráticos e golpistas?

Ao longo de toda a história, sempre houve pessoas protestando, mas, atualmente, em um protesto legítimo, inicialmente, os organizadores devem avisar as autoridades com antecedência ‘’olha, nós vamos estar nesse lugar, nessa hora”.

Esse grupos poderiam ir na frente de determinados lugares e ficar com suas bandeiras, não haveria problema. O que não podem são atos que impedem o direito de ir e vir dos outros, com potencial de parar o país e desabastecer cidades inteiras. É muito grave impedir que pessoas doentes  possam receber tratamento, impedir que grávidas possam chegar ao hospital para dar à luz.

Bolsonaristas têm citado que o artigo 142 da Constituição supostamente chancelaria uma interferência das Forças Armadas no resultado das eleições, qual sua avaliação desta interpretação?

Essa interpretação do artigo 142 é antidemocrática porque ela quer colocar as Forças Armadas como um poder acima dos demais poderes. Isso é tirania. O que caracteriza todas as democracias no mundo é que as Forças Armadas devem obediência à Constituição. Há um equívoco de interpretação, uma tentativa de manipular um artigo que é proveniente ainda do tempo da ditadura. Essa percepção de que as Forças Armadas estão acima da lei, ela é uma percepção também antidemocrática. Elas não podem estar acima da Constituição. Não é só grave, como não se sustenta.

Nesta quarta, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, declarou que ‘’estamos diante de uma organização criminosa” ao citar quem possa estar por trás dos protestos. Como você avalia esta declaração?

Certamente se trata de uma organização criminosa, pois está agindo contra a liberdade das pessoas, está agindo contra o estado de direito, está agindo contra o resultado das eleições e está buscando causar caos na sociedade. A meu ver, tudo isso, caracteriza crime.

Então há que se perceber quais são esses lugares de articulação, que tipo de diretriz está sendo dada e de onde sai o dinheiro. Porque se a gente for pensar, todas as pessoas comuns, os trabalhadores, se a gente não trabalha, a gente não ganha. Então ficar quatro, cinco dias fechando rodovias, precisa de recursos financeiros e ação coordenada pra isso. 

Bolsonaristas mais fanáticos argumentam que o bloqueio é democrático e, quando muito, somente admitem que há um problema na forma dos protestos. O que você diria sobre isso?

Eu acho que é justamente o inverso. Uma coisa é você momentaneamente fazer um ato que exija uma melhoria do seu direito, um aumento de salário, por exemplo. A história das greves, inclusive, mostra esse elemento. O que é completamente absurdo é você querer usar um protesto pra questionar o resultado da eleição porque a eleição é o que garante a nossa liberdade.

Qual a sua avaliação sobre os bloqueios?

Esses poucos grupos estão atentando contra o direito ao voto de mais de 200 milhões de brasileiros. Isso é grave porque eles foram derrotados no voto da mesma forma que em 2018 eles foram vencedores no voto. Por que a conta só está errada nesta eleição? É muito grave, é criminoso, e digo mais uma vez, não são todos os eleitores do Bolsonaro,  são esses que ao fazerem esses protestos estão cometendo um crime contra a liberdade de todos os cidadãos. 

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