Antes de ataques racistas, funcionários negros de clube foram proibidos de olhar para Seu Jorge

Em pronunciamento sobre os ataques racistas que sofreu durante a reinauguração do clube Grêmio Náutico União, o cantor e ator Seu Jorge disse que os únicos negros que encontrou durante o jantar de gala, funcionários do lugar, foram segregados.

“Uma coisa que me causou muita espécie [nojo], eu ouvi dizer que eles [funcionários], estavam proibidos de olhar pra mim ou falar comigo quando eu chegasse no local do show”, afirmou Seu Jorge aos 2 minutos e 28 segundos do pronunciamento publicado em seu perfil oficial no Youtube na noite desta segunda (assista abaixo).

O show foi realizado na última sexta (14), no Rio Grande do Sul. O caso de violência racial contra Seu Jorge ganhou repercussão após internautas que estavam presentes no evento afirmarem que parte do público teria gritado ofensas depois que o músico convidou um jovem negro para tocar no palco.

Em um dos relatos, uma pessoa diz que da plateia puderam ser ouvidos sons de macaco e que alguém teria gritado palavras como "vagabundo" e "safado".

“Quando eu cheguei atrás do palco, eu logo percebi muitas vaias e xingamentos”, disse Seu Jorge. “Eu logo percebi que não seria possível voltar e fazer o famoso ‘bis’. Mas, sozinho, eu retornei ao palco e, de maneira respeitosa, agradeci a presença de todos, me despedi do público presente e me retirei do local do show”.

No domingo (16), após a repercussão do ocorrido, que inclui a abertura de um inquérito policial, o clube Grêmio Náutico União publicou uma nota assinada por seu presidente Paulo Kolberg Bing afirmando que o estatudo do clube “repudia qualquer tipo de discriminação” e que “se for comprovada a prática de ato racista, os envolvidos serão responsabilizados”.

A nota do clube também afirma que estavam presentes no show tanto associados quanto não associados ao clube Grêmio Náutico. No entanto, em seu pronunciamento, Seu Jorge afirma que somente associados do clube estavam no espetáculo.

“Era um jantar de gala com pessoas muito, mas muito bem vestidas para aquela ocasião. Um evento reservado somente para os sócios do clube. Particularmente não percebi nenhuma pessoa negra no jantar, e as pessoas negras que eu encontrei foram somente os funcionários”, disse seu Jorge.

Por e-mail, a reportagem questionou a direção do Grêmio Náutico se o clube está tentando acobertar seus associados e o que justifica a proibição de funcionários olharem para o artista ou falarem com ele. O clube não se manifestou.

Mesmo com a proibição de funcionários olharem para ele, Seu Jorge disse que ao final do espetáculo fez questão de cumprimentá-los. “No final do show, eu falei com todo mundo, abracei todo mundo”.

“Jamais nos curvaremos ao racismo”: o pronunciamento de Seu Jorge

Seu Jorge fez um contundente pronunciamento de mais de nove minutos, em que declarou seu amor pelo Rio Grande do Sul. “O Rio Grande do Sul é sim um estado extremamente potente e a sua massa trabalhadora é excelente, produtiva e de extrema afetividade assim como todo resto do pais. Ao povo negro do Rio Grande do Sul, quero dizer que amo e respeito todos vocês, e digo também que estamos mais unidos do que nunca”.

Na maior parte do vídeo, porém, Seu Jorge denunciou o racismo brasileiro. “Vamos vencer essa guerra que segue [inaudível] nosso povo à miséria e à falta de oportunidade no Brasil. Que mata e maltrata nossos filhos, sobrinhos, primos, primas, irmãos e irmãs todos os dias. Estaremos na luta juntos, denunciando e combatendo todo tipo de tipificação da nossa gente e respondendo com excelência, preparo, coragem, sabedoria e diplomacia”, disse o artista, que prosseguiu:

“Nunca, jamais, nos curvaremos ao racismo e à intolerância, seja ela qual for. Não cederemos um milímetro sequer ao ódio e combateremos e cobraremos das autoridades que a justiça prevaleça e os criminosos sejam devidamente punidos”.

O cantor também denunciou a conivência do Estado brasileiro com a perpetuação do racismo estrutural. “Vamos proteger a nossa juventude negra que está sendo dizimada todos os dias pelo aparelho do ódio e muitas vezes, na maioria das vezes, com a conivência do Estado que oprime, humilha e violenta as favelas e comunidades carentes de todo o Brasil. Temos que combater o racismo estrutural e institucional no Brasil”.

O que disse o clube Grêmio Náutico

Confira o comunicado do Grêmio Náutico na íntegra

Porto Alegre, 16 de outubro de 2022

O Grêmio Náutico União está apurando internamente os fatos ocorridos em evento realizado no dia 14 de outubro, durante apresentação do cantor Seu Jorge. Se for comprovada a prática de ato racista, os envolvidos serão responsabilizados. Afirmamos que o União, seguindo seu Estatuto e compromisso com associados e sociedade, repudia qualquer tipo de discriminação.

Ressaltamos que Seu Jorge foi o artista escolhido para realizar o show com a presença de associados e não associados do Clube considerando sua representatividade na cultura nacional e pelo reconhecimento internacional, e destacamos nosso respeito ao profissional e a seu trabalho.

Paulo José Kolberg Bing.