Pesquisa inédita revela como analgésicos comuns, como paracetamol e ibuprofeno, afetam organismos marinhos essenciais para a produção de oxigênio do planeta
Analgésicos amplamente utilizados no dia a dia, como paracetamol, ibuprofeno e diclofenaco, podem estar comprometendo silenciosamente a base da vida no planeta. Pesquisa conduzida pelo Instituto de Biociências da USP, em parceria com a Universidade Ahmadu Bello, da Nigéria, revelou que esses medicamentos têm impacto direto sobre o fitoplâncton: algas microscópicas que sustentam a cadeia alimentar aquática e produzem boa parte do oxigênio respirado na Terra.
O estudo detectou que, mesmo em baixas concentrações, os compostos alteram a biodiversidade e a estrutura das comunidades de fitoplâncton. “Sem esses organismos, não existe produção primária, não existem ecossistemas e não tem oxigênio suficiente para respirar”, alertou à Amanda Nascimento, do Jornal da USP, o professor Mathias Ahii Chia, coautor da pesquisa. As algas afetadas incluem espécies como o Actinastrum, sensíveis a variações químicas e com baixa capacidade de adaptação.
O caminho até o ambiente aquático começa no consumo doméstico. Quando alguém toma um analgésico, parte dele é eliminada pelo corpo e pode chegar ao esgoto. Mesmo após o tratamento sanitário, traços desses fármacos permanecem na água. Além disso, o uso de medicamentos em larga escala por humanos, na agricultura e em criações animais, contribui para esse acúmulo. Por isso, a pesquisa optou por analisar os efeitos combinados das substâncias, em vez de testar cada uma isoladamente.
Para garantir que o ambiente natural fosse replicado com fidelidade, os cientistas montaram um experimento ao ar livre com 24 “mesocosmos”, que são recipientes flutuantes contendo água de lago contaminado, onde foram adicionadas doses medidas dos medicamentos. Após 28 dias, os pesquisadores observaram reações distintas entre as espécies: algumas resistiram, outras desapareceram. Ainda assim, o impacto sobre os pigmentos essenciais do fitoplâncton permanece parcialmente sem explicação, tema de futuras investigações.
O alerta é claro: alterações na presença ou comportamento do fitoplâncton servem como sinal de que algo está errado no ecossistema.
A ausência desses organismos é um indicativo importante de desequilíbrio ambiental”, afirma Mathias Chia.
O artigo científico pode ser acessado pelo título Single and combined effects of diclofenac, ibuprofen, and paracetamol on phytoplankton community structure and dynamics.
Pesquisadores da Universidade Santa Cecília (Unisanta) identificaram a presença de cocaína e de compostos farmacológicos em peixes capturados na costa do litoral de São Paulo. A análise, feita em cinco espécies amplamente consumidas pela população, detectou cafeína, paracetamol, furosemida, benzoilecgonina (metabólito da cocaína) e até a própria cocaína em tecidos dos animais. As coletas ocorreram em áreas urbanizadas de Santos e Guarujá, onde a pesca artesanal ainda é comum.
Segundo o estudo, a origem mais provável das substâncias é o esgoto doméstico despejado no mar sem tratamento adequado, especialmente por emissários submarinos. Os autores alertam para a necessidade urgente de novos estudos que avaliem os impactos dessa exposição tanto nos organismos marinhos quanto na saúde humana. A pesquisa foi publicada na revista Regional Studies in Marine Science, com participação internacional de cientistas do CIIMAR, em Portugal.