ANDADA

Caranguejos surgem aos milhares e surpreendem banhistas no litoral de SP

Biólogos explicam que, em 20 anos de estudo na Baixada Santista, este evento anormal de "andada" em praias, só ocorreu em Bertioga; entenda

Lenildo Silva
Publicado em 07/02/2025, às 15h34

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Em Bertioga, apenas Itaguaré e Guaratuba registraram a presença de  caranguejos nas praias - Foto: Portal Costa Norte
Em Bertioga, apenas Itaguaré e Guaratuba registraram a presença de caranguejos nas praias - Foto: Portal Costa Norte

Banhistas que visitaram a praia de Itaguaré em Bertioga, no litoral de São Paulo, nesta semana, se depararam com uma cena incomum: centenas de caranguejos espalhados pela areia, principalmente, próximo ao rio homônimo, que corta a faixa de areia.

O fenômeno, conhecido como "andada", é um comportamento natural do caranguejo-uçá (Ucides cordatus), que ocorre anualmente em manguezais, mas raramente se estende até as praias. Na Baixada Santista, apenas em Bertioga estes eventos anômalos de andada (AWEs, do inglês anomalous walking events) foram registrados durante 20 anos (2000 a 2020).

Caranguejo-Uçá

Esli Mosna, biólogo marinho e mestrando em ecologia da Unesp (PPG-EcoEvoBio), explica que os caranguejos avistados na praia pertencem à espécie Ucides cordatus, popularmente conhecida como caranguejo-uçá. Esses animais são típicos de manguezais, com distribuição ampla no território brasileiro (Amapá até Santa Catarina).

Caranguejos avistados na praia pertencem à espécie Ucides cordatus, popularmente conhecida como caranguejo-uçá - Foto: Lenildo Silva/CN
Caranguejos avistados na praia pertencem à espécie Ucides cordatus, popularmente conhecida como caranguejo-uçá - Foto: Lenildo Silva/CN

O biólogo, que estudou o fenômeno em seu trabalho de conclusão de curso (TCC), propõe algumas hipóteses quanto ao registro das AWEs, quando os animais chegam a migrar até as praias. Entre as hipóteses estão as fortes chuvas e possíveis contaminações no manguezal, as quais não foram confirmadas em seu estudo. "As chuvas não apresentaram influência significativa com os eventos anômalos registrados, tampouco, foram detectadas alterações na qualidade ambiental dos manguezais por poluentes que justifiquem tais migrações para a praia", afirma o biólogo.

Já Marcelo Pinheiro, doutor em zoologia e professor da Unesp, em São Vicente, e orientador de Mosna, reforça que ao longo das duas décadas citadas, os registros das AWEs na Área de Proteção Ambiental Marinha Litoral Centro (APA-MLC) ocorreram apenas em Bertioga. “Esses animais são endêmicos de manguezais, portanto, as migrações da espécie, que incluem áreas de praia, são intrigantes, por serem mais raras. Durante as duas décadas de monitoramento da APA-MLC, tais eventos anômalos foram registrados quatro vezes em Itaguaré e duas, em Guaratuba", comenta Pinheiro.

O professor explica que, durante a "andada", os machos saem das tocas para disputar fêmeas e garantir a cópula. O fenômeno é desencadeado por fatores como as fases da lua, que influenciam as marés. Além disso, o pesquisador menciona que o ciclo de vida desta espécie é influenciado pela elevação térmica e do fotoperíodo (quantidade de horas diárias de luz), bem como da salinidade, que promove alterações metabólicas relevantes durante sua reprodução, revela o pesquisador.

Portanto, a migração do caranguejo-uçá, com a inclusão do ambiente das praias, pode ser decorrente do efeito de uma interação múltipla de parâmetros ambientais. Assim, o fato de apenas duas praias, numa área tão extensa como a APA-MLC, ainda traz indagações a serem respondidas. "O efeito múltiplo e combinado de variáveis abióticas e bióticas podem desvendar estes eventos, o que ainda carece de estudos mais aprofundados. Certamente, eles poderão se pautar nos registros que fizemos neste estudo do Esli Mosna", pondera o pesquisador.

Período de defeso

Embora os caranguejos-uçá não estejam ameaçados de extinção, a exploração comercial do crustáceo levou à criação de períodos de defeso, para protegê-los durante a reprodução. Segundo o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), entre o dia 1º de outubro até 30 de novembro, o defeso é para fêmeas e machos do uçá; já do dia 1º de outubro até 30 de dezembro, o defeso segue só para as fêmeas. Durante o período ficam proibidos a captura,  manutenção em cativeiro,  transporte, beneficiamento,  industrialização,  armazenamento e  comercialização desta espécie.

No entanto, o biólogo Esli Mosna esclarece que, como o defeso do Ucides cordatus terminou em dezembro, pode gerar riscos, já que a andada dos caranguejos continua em meses subsequentes (janeiro e fevereiro). Mosna alerta que a ausência de uma normativa vigente nesses meses cria uma brecha preocupante, permitindo a captura sem restrições, justamente quando os animais ainda estão em fase de reprodução.

Denúncias

Roberto Santos, que trabalha em Itaguaré há mais de sete anos, relatou que os caranguejos viraram atração na praia e fazem a alegria dos turistas. Apesar da curiosidade, o fenômeno ainda é motivo de estudo e de atenção. A APA Marinha Litoral Centro recomenda que, ao se deparar com os crustáceos em áreas de praia, a orientação é observar se o caranguejo consegue retornar ao mar e, caso sim, deixar a natureza agir. Já se houver dificuldades dos animais, é indicado acionar a Fundação Florestal pelo telefone (13) 3317 2094 ou a Polícia Militar Ambiental no (13) 3348 4750. A captura irregular da espécie é crime ambiental, sujeito a penalidades previstas na Lei nº 9.605/1998 e no Decreto nº 3.179/1999, que incluem penas de detenção de três meses a um ano, multa ou ambas as penas.

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Lenildo Silva

Lenildo Silva

Estudante de jornalismo na Faculdade Estácio

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