RELAÇÕES ABERTAS

Participantes do BBB em relacionamentos abertos ampliam debate sobre não monogamia

Não monogâmicos no programa expressam maior abertura dos brasileiros a repensar suas relações, avalia especialista

Thiago S. Paulo
Publicado em 26/01/2023, às 12h41 - Atualizado às 14h53

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Aline Wirley (à esq.) e Fred Nicácio conversam sobre relacionamentos abertos 2 - Participantes do BBB em relacionamento aberto ampliam debate sobre não-monogamia - Imagem: Reprodução / TV Globo
Aline Wirley (à esq.) e Fred Nicácio conversam sobre relacionamentos abertos 2 - Participantes do BBB em relacionamento aberto ampliam debate sobre não-monogamia - Imagem: Reprodução / TV Globo

Durante uma festa no BBB 23, o médico Fred Nicácio e o ator Gabriel Santana se beijaram. Instantes depois, Gabriel disse que queria conhecer o marido de Fred, que, do lado de fora da casa, logo aprovou o beijo do marido em outro homem. Apesar de casados, Fred e o marido mantêm um relacionamento aberto. A cantora Aline Wirley, outra participante do programa, também assumiu que vive uma relação semelhante com o marido com quem tem um filho.

Um especialista ouvido pela reportagem acredita que a adesão declarada de participantes do reality show a relacionamentos abertos e os consequentes debates sobre o tema refletem uma maior abertura dos brasileiros a repensar suas relações. Uma jovem adepta da não monogamia concorda, mas teme que as discussões pela via do entretenimento possam despir o debate sobre o tema de seu teor político.

O que é não monogamia

“Eu defino a não monogamia como toda relação que prescinde da exigência de exclusividade sexual ou afetiva porque a exigência de exclusividade é o elemento central da monogamia, é a cláusula pétrea de todo relacionamento amoroso. A não monogamia abarca diferentes possibilidades de relacionamento, como o swing, a relação aberta, o poliamorismo e as relações livres”, explica o mestre em psicologia Filipe Starling.

Terapeuta de casais, Starling mantém no Instagram a página ‘Não monogamia responsável’, na qual fala sobre o tema. Como indica sua página, Starling faz uma distinção entre não monogamia responsável e irresponsável.

“Para ser considerada uma não monogamia ética, é necessário que este processo aconteça de forma consensual entre todos os envolvidos. Justamente por ser consensual, a não monogamia ética não pode ser considerada uma forma de traição, pois traição envolve enganar e neste caso todos estão consentindo com essa quebra de exclusividade, tudo já está acordado previamente”.

Não monogâmica há dois anos, Marta Bichir, uma jovem psicóloga que vive entre Bertioga, na costa paulista, e São Paulo, vai além. Para ela, a não monogamia é um movimento. “Localizo a não monogamia como  um movimento político contra-hegemônico, questionador  do sistema monogâmico. Ser ou não ser monogâmico é sobre como você vê o mundo e todas as relações, sejam elas amorosas ou não”.

Aline Wirley (à esq.) e Fred Nicácio conversam sobre relacionamentos abertos 2 - Participantes do BBB em relacionamento aberto ampliam debate sobre não-monogamia (Imagem: Reprodução / TV Globo)

‘Não sei como é amar, senão livremente’

Marta associa sua escolha por relacionamentos não monogâmicos à liberdade. “[A monogamia] é compulsoriamente colocada em nossas vidas sem que a pensemos, critiquemos e questionemos. Não é de hoje que a monogamia me causa estranhamento. Até que me aproximei de uma pessoa não monogâmica muito importante na minha vida e a partir disso comecei a me identificar com ela. Hoje em dia, diria que não sei como é amar, senão livremente”.

Para Starling, a grande maioria das pessoas em nossa cultura já vive uma vida não monogâmica. “A diferença”, explica ele, “é que essa não monogamia ocorre escondida do parceiro ou parceira. Essa é a não monogamia não consensual, a famosa pulada de cerca, que infelizmente ainda predomina em nossa sociedade”.

“Já a não monogamia ética ou responsável”, diferencia o psicólogo, “é aquela que acontece de modo consensual em uma relação, na qual o assunto é conversado, os combinados são estabelecidos, os limites são respeitados e, acima de tudo, é exercida com responsabilidade afetiva, no sentido de se levar em consideração os sentimentos de todos os envolvidos”.  

Pessoas não monogâmicas são discriminadas

Marta afirma que já foi discriminada ao revelar que é não monogâmica. “Questionam se realmente amo quem eu amo, questionam minha sanidade. Costuma ser bem difícil”.

“Ainda existe muito preconceito e discriminação, por isso muitas pessoas não admitem publicamente sua forma de se relacionar”, avalia Starling. Para ele, isso ocorre em grande parte por conta da tradição cultural.

“A mudança de costumes leva tempo para acontecer e ser assimilada. Em 1977, quando estava em discussão a lei do divórcio, por exemplo, houve muita resistência. O novo gera medo e as pessoas se protegem desse medo através do preconceito”.

Não monogâmicos no BBB dão visibilidade ao tema

No Brasil, ainda não existem estudos abrangentes sobre a quantidade de pessoas que optaram por relacionamentos não monogâmicos, no entanto, a quantidade de pessoas, dentre elas figuras públicas, que se declaram não monogâmicas, parece indicar um crescimento considerável de adeptos.

“Certamente, o número de adeptos está crescendo”, pontua Starling. “Quem atende casais, como é o meu caso, percebe que cada vez mais essa demanda está chegando na clínica. Pessoas que já estão casadas há 20 anos de repente descobrem que elas não precisam reprimir seus desejos, seus afetos e passam a considerar a possibilidade de abrir a relação”.

Para o psicólogo, figuras não monogâmicas no Big Brother dão visibilidade ao tema que já ganhara destaque mesmo antes disto. “Toda essa projeção está fazendo com que as pessoas reflitam mais sobre o assunto, questionando se elas também não gostariam de estar em um relacionamento assim. Isso é interessante, porque agora todos estão cientes de que existem diferentes possibilidades de relacionamento e não apenas uma, como aprendemos a vida toda, que exige uma monogamia compulsória e vitalícia”.

A abertura ou não da sociedade para o tema, avalia ele, pode oscilar conforme a conjuntura política. “Com a ascensão da extrema direita ao governo do Brasil, o movimento conservador voltou com muita força e a pauta dos costumes morais acabou se fortalecendo. Acho que muitas pessoas realmente vivem um clima de pânico moral com todas essas novas possibilidades que a não monogamia traz”, opina o psicólogo, que completa:

“Agora, com o retorno da esquerda ao poder, a tendência é que o movimento progressista se fortaleça novamente, o que vai abrir ainda mais espaço para manifestação da diversidade nos seus mais diferentes aspectos, inclusive nos que tangem às diferentes formas de relacionamento amoroso. Para as pessoas muito conservadoras, será muito difícil assimilar todas essas mudanças”.

Receosa de que a visibilidade em produtos culturais como o BBB passe a reforçar equívocos sobre o tema, Marta é menos otimista. “Tenho certa angústia pela forma como a não monogamia será tratada e abordada a partir do BBB. Nenhum participante, até onde eu soube, falou de não monogamia em uma perspectiva crítica e política e, sim, apenas citaram ter relacionamentos abertos”. 

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