O menino que vende jujubas

Costa Norte
Publicado em 01/07/2011, às 08h20 - Atualizado em 23/08/2020, às 13h26

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Quando iniciei meus estudos, em 2002, já tinha dois filhos pequenos. Além de trabalhar o dia inteiro fazia faculdade à noite. Pertencia à parcela de mulheres que procuram ser excelentes profissionais, obter uma posição no mercado de trabalho e carregam a culpa de deixar os filhos com avós e babás.

Durante um desses dias, ao término das aulas, me dirigia ao estacionamento onde diariamente os estudantes eram abordados por um menino que tinha por volta de 7 anos. Ele nos vendia jujubas. Seus olhos eram marcantes e possuía um sorriso tímido. No ponto do ônibus, todos os estudantes acabavam comprando. Eu comprava para mim e para meus filhos na intenção de diminuir a culpa de deixá-los.

Tentávamos puxar conversa, mas ele estava sempre apressado, pois se conversasse deixaria de vender para os demais e aquele momento era a sua melhor hora do dia para as vendas.

Assim eram as minhas noites, terminei a graduação que emendei com outra e, posteriormente, resolvi fazer pós-graduação em outra universidade. Com isso deixei de comprar as jujubas.

O universo da administração de empresas nos diz da importância do network, a rede de relacionamentos que somos capazes de realizar ao longo de nossas vidas. Utilizando desta ferramenta retornei a faculdade para que juntamente com um professor pudesse elaborar um artigo acadêmico para uma futura publicação em uma revista. Após a conversa me dirigi ao estacionamento quando fui abordada por um homem vendendo jujubas, quando olhei direito reconheci os olhos e o sorriso tímido. Aquele homem na verdade, era o menino que me vendia jujubas, há alguns anos.

Desta vez, recusei as jujubas e tive o desejo de sair daquele lugar o mais rápido possível. No carro, não me conformava com o que havia presenciado e comecei a fazer uma analogia sobre as nossas vidas, as mudanças que ocorreram, as oportunidades que tive e as agarrei por estar preparada.

Me senti culpada, eu realmente acreditei que comprando as jujubas todos os dias estava ajudando o garoto. O que eu fiz para que o menino tivesse a possibilidade de alguma melhora? Ele vende jujubas por que quer ou a vida ofereceu esta única possibilidade?

Refleti sobre o sentido de exclusão, aquele menino estava inserido em um espaço com todos os tipos de pessoas, de bens de consumo desde alimentos até equipamentos eletrônicos. Relacionava-se com pessoas que buscavam oportunidades e posição profissional. O menino não pertencia a esse contexto, mesmo trabalhando na porta da universidade. Essa é a verdadeira exclusão: ter acesso e não ter como obter o mesmo.

Pensei em todas as análises de cenários econômicos que havia elaborado e nas assessorias dos projetos de responsabilidade social. Precisava rever os trabalhos que havia produzido, a fim de proporcionar acesso e oportunidades para que mais pessoas possam ser inseridas na população economicamente ativa desse país. Não tenho como deixar de ser responsável pela situação daquele garoto, é uma questão de ética, a capacidade de nós existirmos coletivamente, de proteger e elevar a vida. Há necessidade de se fazer algo por aquele rapaz e por outros que se encontram na mesma situação. Desta vez pretendo sim fazer bem mais do que simplesmente comprar jujubas.

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