Praia do Bonete

MPF investiga especulação imobiliária em projeto de ordenamento territorial em Ilhabela

Órgão apura denúncias sobre a não participação da comunidade em projeto na praia do Bonete

Reginaldo Pupo
Publicado em 27/09/2018, às 12h21 - Atualizado em 23/08/2020, às 17h31

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Comunidade tradicional do Bonete,  em Ilhabela,  que pode estar sofrendo especulação imobiliária durante projeto de ordenamento territorial - Reginaldo Pupo
Comunidade tradicional do Bonete, em Ilhabela, que pode estar sofrendo especulação imobiliária durante projeto de ordenamento territorial - Reginaldo Pupo

O Ministério Público Federal (MPF) do litoral norte instaurou, na última segunda-feira, 24, um inquérito civil público para apurar possíveis irregularidades no processo de ordenamento territorial da praia do Bonete, comunidade tradicional caiçara de Ilhabela, que está sendo empreendido pela prefeitura.

O órgão apura denúncias de que a comunidade caiçara não teria sido ouvida sobre o projeto da prefeitura, que contratou uma empresa de consultoria para o reordenamento territorial da comunidade. A consultoria foi contratada pela modalidade carta-convite, sem ouvir a comunidade, segundo o MPF, que vem apurando o caso desde junho deste ano.

Ainda de acordo o MPF, o inquérito investigará possível conflito de interesses no caso, pois os profissionais contratados para elaborar o projeto supostamente trabalhariam para pessoas envolvidas com a especulação imobiliária na praia, o que vem causando consequente perda de território tradicional pelos “boneteiros”, como são conhecidos os caiçaras que habitam essa região de Ilhabela.

As denúncias apontam que a equipe de profissionais, que atende à prefeitura, teria negado uma reivindicação dos moradores, que queriam que a escola local fosse ampliada em determinado terreno. Contudo, a sugestão não teria sido aceita, pois a área escolhida pelos caiçaras coincidiria com uma obra planejada pelo proprietário de uma pousada.

Convocação

Segundo o MPF, a prefeitura de Ilhabela foi oficiada pela procuradora Walquíria Picoli para prestar informações. A administração teria respondido, em julho deste ano, que o projeto urbanístico e arquitetônico, para readequação da ocupação territorial com promoção e melhorias urbanas e execução de equipamentos públicos na comunidade do Bonete, está em etapa de estudo preliminar, no desenvolvimento dos anteprojetos, para posteriormente apresentar à comunidade para ciência e aprovação. A prefeitura também teria informado ao MPF que a comunidade “teve ampla participação no projeto”.

O MPF convocou uma reunião entre representantes da prefeitura de Ilhabela, Associação Boneteira de Resistência Caiçara e Associação Bonete Sempre para tratar do procedimento de Consulta Prévia, Livre e Informada para o projeto de ordenamento do território da Comunidade Tradicional Caiçara do Bonete. A reunião está marcada para o próximo dia 4 de outubro, às 14 horas.

Conforme a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), homologada no Brasil pelo decreto 5051/2004, os governos e empresas privadas interessadas em realizar empreendimentos em área em que habita população tradicional ou que afete população tradicional, devem cumprir procedimento de Consulta Prévia, Livre e Informada nos moldes estabelecidos pela convenção. É o caso praia do Bonete, na qual vivem caiçaras (população tradicional que habita o litoral das regiões Sudeste e Sul do Brasil) e que vive geralmente da pesca artesanal, agricultura de subsistência, caça, extrativismo, artesanato e ecoturismo.

Em 18 de julho, com apoio da Marinha do Brasil, o MPF em Caraguatatuba, atendendo pedido da comunidade, foi até a praia do Bonete para reunião com 50 pessoas caiçaras e não caiçaras e explicou sobre as características do território tradicional, a convenção da OIT e a Consulta Prévia, Livre e Informada. Para o MPF, as políticas públicas do município para o Bonete devem ser executadas conforme a lei, respeitando os direitos da comunidade tradicional caiçara local. Além da consulta prévia, a prefeitura de Ilhabela também precisa esclarecer sobre as questões de conflitos de interesses denunciadas ao MPF. 

Como a elaboração do projeto de reordenamento da praia segue sendo realizada sem a consulta prévia, gerando conflito entre as associações locais, a procuradoria decidiu convocar a reunião para explicar a convenção da OIT a todos e buscar um diálogo conciliatório entre as partes.

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