Turismo

Grupos querem oficializar praia de Ubatuba para prática do naturismo

São Paulo é o estado no qual há o maior número de naturistas no país, cerca de 20 mil, segundo associações

Reginaldo Pupo
Publicado em 13/09/2018, às 13h41 - Atualizado em 23/08/2020, às 17h25

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Reginaldo Pupo
Reginaldo Pupo

O casal de turistas Lídia Wilhelm e Henry Rodrigues apreciava, na manhã do último feriado prolongado de 7 de setembro, as belas paisagens da praia Mansa, em Ubatuba, quando levaram um susto. Enquanto a aposentada e o comerciante caminhavam no canto esquerdo da faixa de areia, do nada, entre 20 a 30 pessoas começaram a tirar as roupas para ficar totalmente nuas, sob olhares curiosos de dezenas de frequentadores. Havia homens, mulheres e casais de todas as idades no grupo de naturistas. Inclusive uma criança, também nua.

O que Lídia e Henry não sabiam é que estavam diante da praia escolhida por naturistas de várias regiões do país, que pretendem oficializá-la para a prática do naturismo, já que, segundo associações paulistas e brasileiras que representam esse estilo de vida, não existe nenhuma praia oficial no litoral de São Paulo, embora seja o estado no qual há o maior número de naturistas no país, inclusive federados. As associações que os representam estimam em cerca de 20 mil naturistas em São Paulo, que precisam viajar ao Nordeste, Rio de Janeiro e para o Sul do país para a prática desse estilo de vida.

Foi mais um fim de semana, desde o início do ano, que o grupo de naturistas frequentou a praia Mansa, como forma de conscientizar os banhistas sobre a intenção de oficializá-la. Desde então, um verdadeiro esquema de vigília foi montado na trilha que dá acesso à praia, para que os naturistas fossem avisados da chegada de turistas, para, então, todos colocarem novamente suas roupas de banho. Mas no último feriado prolongado, o grupo decidiu despir-se diante de frequentadores da praia para sentir a reação.

Conscientização

 Antes da tentativa de oficialização, os naturistas vêm fazendo lobby com moradores locais por meio de redes sociais. Nos dias dos encontros, eles frequentam e gastam no comércio local e fazem questão de frisar que estão na cidade por causa da “praia naturista”. A ideia é fixar, na memória dos moradores e comerciantes locais, que o estilo de vida movimenta o comércio da cidade, que sai lucrando na baixa temporada.

Éder da Silva Ferreira, comerciante de Ubatuba que encabeça o movimento na cidade e é membro de associações de naturismo, disse: “Faz parte do plano de conscientização mostrar que em outras regiões do país, o naturismo auxilia no fomento do turismo, movimenta hotéis, pousadas e restaurantes e pode ser uma atração a mais para Ubatuba, que sofre com a sazonalidade pós-temporada”.

Devido à grande presença de banhistas e de lanchas na praia, os naturistas conversaram com os turistas antes de se despirem. Alguns frequentadores desaprovaram a atitude dos naturistas, que foram recebidos com hostilidade. Mas segundo os naturistas, a maioria das pessoas presentes consentiu e apoiou a prática do naturismo. Mulheres, homens e casais, então, passaram a circular no canto esquerdo da praia, sem roupas.

Um grupo de turistas, que estava em uma lancha, discutiu com os naturistas e ameaçou chamar a polícia. Havia ao menos 12 embarcações na praia no período da manhã. A maioria dos ocupantes dos barcos registrou a cena por meio de fotos. Dois policiais em uma viatura chegaram até uma praia localizada ao lado da praia Brava, de onde se inicia a trilha. Mas, em menor número, desistiram de percorrer a trilha para chegar até os naturistas.

Caso fossem flagrados, poderiam ser detidos por “ato obsceno”, que prevê pena de três meses a um ano de detenção. Por ser tratar de um crime de baixo potencial ofensivo, responderiam em liberdade, de acordo com o Código Penal. Lídia, a aposentada que caminhava com seu marido na praia, disse: “Não vejo nenhum problema no fato deles ficarem pelados na praia. O Brasil tem tantos problemas e algumas pessoas querem se preocupar com isso?”.

“Bando de gente pelada”

 A psicóloga Lenina Disney, 26 anos, de Taubaté (SP), foi avisada por banhistas de que no canto esquerdo da praia havia “um bando de gente pelada”, e que era para ela tomar cuidado, caso estivesse com crianças. Ela sorriu, pois os banhistas não sabiam que Lenina era uma das naturistas e  estava indo ao encontro dos demais praticantes. Ela e o marido chegaram ao canto esquerdo, tiraram as roupas, e caminharam para o mar.

O mecânico marítimo Marcos Roberto Gudo foi um dos banhistas que reprovaram a ocupação dos naturistas. “Não sou contra, mas caso a praia seja oficializada, não poderei mais frequentá-la?”.  Ele afirmou que frequenta a praia há mais de 30 anos e que, na temporada, o lugar recebe mais de 50 barcos por fim de semana.

O comerciante Ferreira explica: “Iniciamos um trabalho de mobilização bem maior do que as tentativas anteriores de se oficializar alguma praia no litoral paulista para a prática do naturismo, como já aconteceu com a praia Brava, em São Sebastião, e a Desertinha, em Perúibe”.

Os naturistas seguem as regras estipuladas pelo conselho de ética da Federação Brasileira de Naturismo. Entre as restrições, estão a prática de atos sexuais em áreas públicas, fotografar ou gravar naturistas sem permissão e realizar necessidades fisiológicas em áreas impróprias.

Naturistas buscam praias no litoral norte desde a década de 1990

Em 2013, a Federação Brasileira de Naturismo iniciou um lobby, para transformar a praia Brava, em Boiçucanga (São Sebastião), em local destinado a naturistas. A ofensiva sofreu retaliações de moradores e turistas, que expulsaram os naturistas do local. Mas as tentativas datam da década de 1990,  quando um projeto de lei, que previa a transformação da praia da Caveira, em Ilhabela, também não foi adiante.

No início do ano, um projeto de lei, que oficializaria a praia Mansa de Ubatuba para a prática do naturismo, chegou a ser elaborado, mas logo foi retirado de tramitação pelo vereador Wellington de Moura (MDB) autor da proposta, devido à pressão contrária da população. Ele não foi localizado pela reportagem para comentar o assunto.

A prefeitura de Ubatuba informou que haverá uma análise da lei, caso ela seja elaborada. Segundo a Secretaria de Assuntos Jurídicos, “caso venha a ser apresentada a proposta, ela deve prever restrições de acesso ao local, respeito às normas para utilização da praia para esse tipo de proposta, respeito à dignidade das pessoas e ao pudor público”.

Tambaba, na Paraíba, foi a primeira praia brasileira a autorizar oficialmente que os frequentadores tirassem a roupa. Em Santa Catarina, há três praias do tipo: Pedras Altas (Palhoça), Galheta (Florianópolis) e praia do Pinho (Balneário Camboriú). O Rio de Janeiro tem duas áreas para a prática do naturismo: Olho de Boi (Búzios) e praia do Abricó (Rio). As outras ficam no Espírito Santo - Barra Seca (Linhares) - e Bahia - Massarandupió (Entre Rios).

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