Litoral Norte

Com fiscalização falha, invasões em áreas de preservação fogem do controle em São Sebastião

Entidades afirmam que crescimento desordenado aumentou ao menos 50% em dez anos

Reginaldo Pupo
Publicado em 11/10/2018, às 06h45 - Atualizado em 23/08/2020, às 17h38

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Barraco em área de risco localizado em bairro da Costa Sul de São Sebastião - Reginaldo Pupo
Barraco em área de risco localizado em bairro da Costa Sul de São Sebastião - Reginaldo Pupo

As ocupações irregulares em áreas de proteção ambiental registradas em uma das regiões mais preservadas do litoral norte vêm preocupando sociedades amigos de bairros e ambientalistas de São Sebastião. Com base em levantamento e monitoramento realizado em toda a Costa Sul do município, as entidades são unânimes em afirmar que o crescimento desordenado fugiu do controle da fiscalização municipal e estadual e que aumentou ao menos 50% nos últimos dez anos.

A preocupação dos ambientalistas é que o problema, que já cresce em ritmo acelerado, possa piorar nos próximos anos, devido aos grandes empreendimentos anunciados para a região, como a ampliação do porto de São Sebastião e do píer de atracação de navios da Transpetro/Petrobras; a duplicação da rodovia dos Tamoios e seus contornos viários em São Sebastião e Caraguatatuba; o pré-sal e a construção de um estaleiro de apoio às atividades portuárias.

O atual cenário é resultado da migração de moradores de estados do Norte e Nordeste que seguiram para São Sebastião atraídos pelas ofertas de emprego geradas pela construção civil, com o surgimento de diversos condomínios de luxo.

Nas últimas semanas, a reportagem percorreu as praias de Boraceia, Barra do Una, Juquehy, Boiçucanga e Maresias, consideradas as mais críticas, e registrou diversos flagrantes de desmatamentos e construções de barracos de madeira em meio à intensa vegetação localizada em Áreas de Proteção Permanentes (APPs). A Costa Sul de São Sebastião possui extensa área verde próxima ao mar, rica em biodiversidade e é cercada pelo Parque Estadual da Serra do Mar, sendo um dos últimos remanescentes da Mata Atlântica do país.

“Fora de controle”

Sem ter para onde crescer horizontalmente nos seus 120km de extensão, as invasões já atingem as cotas mais altas da Serra do Mar. Apesar de ilegais, muitas casas estão à venda, algumas, por meio de imobiliárias. Sem rede coletora de esgoto, os dejetos são despejados clandestinamente em rios e córregos, que deságuam no mar, tornando muitas praias impróprias para o banho.

Um fiscal da prefeitura de São Sebastião, na condição de anonimato, acompanhou a reportagem e disse ter ficado surpreso com a velocidade com que novas construções são erguidas diariamente. Segundo ele, diversas casas que hoje tiveram suas obras concluídas não respeitaram embargos feitos há alguns anos.

“Várias dessas construções receberam notificação, multas e até embargos, mas os proprietários desrespeitaram e concluíram suas obras”. Segundo ele, há mais de 30 fiscais nos quadros da prefeitura, divididos entre as secretarias de Obras e Meio Ambiente, mas muitos foram desviados de suas funções. “O problema não é falta de fiscalização. Há um racha entre os fiscais e uma aparente desmotivação. As invasões fugiram do controle”. Segundo ele, os invasores concluem as obras, mesmo sabendo que não há como regularizá-las.

Ritmo acelerado

Em Boraceia, na divisa com Bertioga, a ocupação clandestina já chegou aos limites da Terra Indígena Guarani do Ribeirão Silveira, área protegida por lei federal. Basta circular pelas ruas de terra do bairro para notar a existência de trilhas em meio à densa mata virgem. Seguindo por uma dessas trilhas, é possível notar desmatamentos onde serão erguidos novos barracos.

Em outra rua próxima dali, uma edificação estava sendo construída por seis homens que trabalhavam em ritmo acelerado. A circulação de caminhões com materiais de construção é intensa durante a semana, assim como o som das marteladas em diversas ruas. A cada quarteirão é possível ver amontoados de pedras, blocos, tijolos e areias nas ruas e calçadas, indicando o surgimento de novas construções.

Algumas ruas foram abertas pelos próprios moradores, “rasgando” áreas de proteção ambiental. Para levar energia elétrica até suas casas, muitos recorreram ao “gato”, captando o fornecimento da via pública. Os moradores afirmam que pagam o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e que muitas áreas foram adquiridas em imobiliárias. Na Avenida Osasco, carcaças de carros possivelmente provenientes de desmanches e fiação elétrica exposta a menos de um metro de altura do solo fazem parte da paisagem local.

“Todo dia tem gente diferente por aqui. Muitas pessoas são trazidas por vereadores, talvez em busca de votos”, desconfia a dona de casa Rosemeire Santos, 39. “Se queremos legalizar nossas casas caímos na burocracia”, queixa-se. Sandra Leite, 43, que saiu de Conceição (PB) há 21 anos para morar em São Sebastião, reclama que o bairro precisa de melhorias. “Não temos esgoto e nem captação de água. A creche fica longe, mas o postinho de saúde é bom”.

Flagrantes

Uma das casas foi construída ao lado de uma área de manancial e de preservação permanente, com densa vegetação paludosa e árvores como guapuruvu, sem nenhum tipo de recuo, o que é proibido por lei. A legislação obriga que qualquer construção deve ficar distante, no mínimo, 30 metros de qualquer curso d´água.

A praia de Juquehy, conhecida por seus condomínios de luxo e onde o presidente Michel Temer (MDB) possui residência de praia, já contabiliza quatro favelas. Em uma via, conhecida como “Rua da Sabesp”, uma imensa construção feita em madeira foi embargada pela Polícia Ambiental.

Quem passa pela localidade pode observar a vistosa construção, em meio a uma área verde. Na rodovia Rio-Santos, que cruza a Praia de Juquehy, um emaranhado de fios de energia proveniente de “gatos” é visto às margens da pista. Nas proximidades, o Morro do Esquimó, outra zona de ocupação ilegal, corre o risco de desabar.

Em Barra do Una, a situação é crítica em uma localidade conhecida por Sítio Velho. A construção de casas é intensa e muitas áreas de vegetação nativa da Mata Atlântica foram devastadas para dar lugar a barracos e casas de alvenaria. “Aqui é uma área de manancial, inunda com qualquer chuva. Jamais poderia existir qualquer tipo de construção aqui”, observou o fiscal. De acordo com ele, muitos dos invasores erguem barracos para alugar ou vender posteriormente. “Virou um negócio lucrativo”.

Proprietários de mansões também ignoram leis e constroem “puxadinhos de luxo”

Enquanto nos sertões e morros novos barracos surgem a cada dia, na parte nobre das praias, à beira mar, mansões, condomínios de luxo e até hotéis e pousadas também ignoram as leis e vêm construindo um terceiro pavimento em seus empreendimentos, criando assim um “puxadinho de luxo”.  Pela legislação municipal, nenhuma edificação pode ultrapassar os nove metros de altura, mais a caixa d´agua.

A reportagem contabilizou, principalmente em Juquehy, dezenas de condomínios e mansões com terceiro pavimento. Dois deles estão em plena construção e devem ser entregues antes da temporada de verão. E há até apartamentos decorados para exposição. “Já começaram construindo errado”, alertou o fiscal, se referindo aos dois novos empreendimentos. “Muitos desses condomínios foram notificados por mim ainda na fase de projeto, mas ignoraram a legislação e concluíram as obras”.

Um dos casos que mais chamaram a atenção nos últimos anos foi a sede do Núcleo São Sebastião do Parque Estadual da Serra do Mar, entidade responsável justamente pela preservação ambiental de áreas protegidas na Mata Atlântica. A obra foi erguida em Juquehy e embargada pela prefeitura por desrespeito à Lei de Uso e Ocupação do Solo, que prevê construções de até nove metros.

A imponente construção, que custou R$ 605 mil dos cofres públicos à época, está situada no topo de um morro que faz divisa entre as praias de Juquehy e Barra do Una, com visão privilegiada das duas praias. O prédio, que possui três pavimentos, foi embargado após a Secretaria Municipal do Meio Ambiente receber denúncia anônima.

Operações de vigilância

A Fundação Florestal informou, por meio de nota, que para conter novas invasões dentro do Parque Estadual, são realizadas operações de vigilância rotineiras, integradas com a Polícia Ambiental e prefeitura, em diferentes bairros e regiões do município. A entidade também informou que entre os anos de 2017 e 2018, foram realizadas 36 operações integradas e 16 vistorias. Foram demolidos 23 ranchos de caça e outros usos indevidos e duas casas de madeira construídas indevidamente em área do parque.

Sobre a construção da sede do Parque Estadual, a Fundação Florestal disse que as adequações do prédio solicitadas pela prefeitura foram feitas e após as devidas regularizações estruturais, a administração municipal emitiu o “Habite-se”. O Parque Estadual de São Sebastião possui atualmente dez postos de vigilância, atuando tanto em sua sede, como nas demais bases da Unidade de Conservação.

Prefeitura diz ter embargado 49 obras irregulares

A prefeitura de São Sebastião informou, por meio de sua assessoria, que desde o início de 2017 vem atuando de “maneira intensa” nas questões ligadas às invasões na Costa Sul do município, com operações conjuntas e integradas entre os poderes municipal e estadual, com equipes do setor de fiscalização ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e a fiscalização de obras particulares, setor ligado à Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária.

Além disso, de acordo com a prefeitura, as ações também contam com servidores da Secretaria de Serviços Públicos, Guarda Civil Municipal, Desenvolvimento Social e das policias Militar e Ambiental, com o objetivo de conter o crescimento desordenado, combater as invasões e as construções irregulares.

O procedimento de fiscalização é composto por algumas etapas como, por exemplo, o monitoramento de área, constatação e autuação, execução do auto e monitoramento para evitar a reincidência. De acordo com a administração, de janeiro a julho de 2018 foram feitas 368 notificações, que geraram 70 multas, 49 embargos e 156 ordens judiciais de demolições atendidas.

A prefeitura esclarece que quem quiser fazer o registro de denúncias pode ligar diretamente na Secretaria Municipal de Meio Ambiente, por meio do número (12) 3892-6000.

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