Exploração

Adolescentes prostituem-se por R$ 5,00 na Rio-Santos

Parte delas “vende” o próprio corpo para comprar crack ou para alimentar os próprios pais

Reginaldo Pupo
Publicado em 06/12/2018, às 13h27 - Atualizado em 23/08/2020, às 18h05

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Adolescente pede carona para atrair clientes na Rio-Santos, altura do bairro Indaiá, em Caraguatatuba. Muitas se prostituem para comprar crack - Reginaldo Pupo
Adolescente pede carona para atrair clientes na Rio-Santos, altura do bairro Indaiá, em Caraguatatuba. Muitas se prostituem para comprar crack - Reginaldo Pupo

Um trecho da rodovia Rio-Santos (SP-55), em Caraguatatuba, transformou-se nos últimos meses em local de prostituição e tráfico de drogas, onde um programa “completo” pode sair por R$ 10,00. O sexo oral sai por R$ 5,00. A maioria das garotas de programa tem entre 13 e 17 anos. Elas disputam pontos com travestis no trecho que compreende o bairro Canto do Mar, em São Sebastião, até as proximidades do Poupatempo, no bairro Indaiá, em Caraguatatuba. 

Algumas adolescentes afirmam que começaram a se prostituir para se tornarem independentes. Mas há as que optaram por fazer programas para comprar drogas, principalmente, maconha e crack. Dependendo das condições do tempo, algumas chegam a faturar cerca de R$ 500,00 por semana.

As adolescentes costumam circular em duplas pelo acostamento da rodovia e ruas vizinhas, pedindo carona aos motoristas, com roupas curtas e insinuantes. Mas, para quem já conhece o trabalho delas, basta parar nas proximidades do “ponto” e buzinar. Elas atendem prontamente. No caso de carona, o “convite” para o programa é feito durante o trajeto. Geralmente, os programas acontecem dentro do próprio veículo, em ruas escuras e sem movimento, no bairro Indaiá, próximo a uma igreja católica. Portando cópias de RGs falsos, também atendem em motéis, caso o cliente solicite. As garotas de programa sugerem aos motoristas quais ruas são mais “seguras” para estacionar o carro sem ser incomodados.

A adolescente P.C. tem 16 anos e iniciou na prostituição aos 10, segundo ela, que diz faturar cerca de R$ 150,00 por semana pelos programas que acerta à beira da Rio-Santos. Metade do dinheiro vai para a compra de roupas e sapatos. O restante usa para criar seu filho de dois anos. “Minha mãe nunca teve condições de me dar roupas novas, mas essa foi a única forma que encontrei para me tornar independente e ter minhas próprias coisas”, disse. De acordo com a adolescente, sua mãe sabe sobre sua condição. “Ela até me incentiva, pois eu que coloco comida na mesa de casa", declarou.

P.C. conheceu seu pai no ano passado, quando tinha 15 anos. “Pedi para minha mãe para conhecê-lo. Ela evitava nosso encontro porque ele é violento. Hoje vivo com meu padrasto e ele passa a mão em mim enquanto estou dormindo. E como sempre acontece nesses casos, minha mãe também não acredita que ele tem interesse em mim”, confidenciou. “Faço programas esporadicamente, quero sair desta vida, mas a situação hoje em dia está difícil”, queixa-se. P.C. é analfabeta e não se lembra qual a última série completou na escola. “Não sei ler e nem escrever. Mas me lembro que pulava o muro da escola para me prostituir”. Além da pouca idade, P.C. também não consegue emprego devido à falta de escolaridade. “Isso dificulta bastante. Enquanto não consigo um emprego, tenho que continuar nesta vida”, lamenta.

Oral sem preservativo

R., de 17 anos, é uma das adolescentes que fazem programas para adquirir drogas. Viciada há seis meses em crack, emagreceu oito quilos em uma semana, diz. Gasta quase todos os R$ 100,00 que fatura por noite com a droga, em média. “Minha família é bem de vida, mas ninguém sustenta meu vício. Me prostituir foi a única forma que encontrei para ganhar dinheiro fácil e comprar as pedrinhas”. “Costumo cobrar R$ 10,00 para fazer um programa completo e R$ 5,00 o oral. Se o cliente quiser, faço o oral sem camisinha. Mas o programa completo não faço sem o preservativo”, garante.

Sua amiga V.T.T., 15, também diz fazer faz sexo oral sem preservativos. “Os rapazes até pagam mais. Mas, se você pede para usar, eles desistem. Preciso correr o risco ou minha família passa fome, pois todos em casa estão desempregados”. V.T.T. diz para seus pais que está fazendo “bico” em um quiosque de praia da avenida principal da cidade. “Como moro no lado oposto ao local onde faço programas, na zona norte de Caraguá, não corro o risco de ser vista aqui, pois eles nem saem de casa. Mas, na semana passada, uma amiga da minha mãe me viu debruçada na porta de um carro, conversando com um cliente e eu tentei disfarçar, se minha mãe souber, estou na roça”.

Embora ela faça programas para ajudar em casa, a adolescente confessa que “de vez em quando” compra crack. “Dou uns pega (sic) mas só de vez em quando para não me viciar, pois, se isso acontecer, o dinheiro vai todo para a droga e preciso manter minha família. Tenho um irmãozinho de um ano e seis meses que chora quando não tem leite. Morro de dó dele”, diz V.T.T., com lágrima nos olhos.

Internet é ferramenta mais usada para encontros

Grande parte dos encontros entre garotas de programa e clientes é marcada pela internet, por meio de salas de bate-papo ou sites específicos de garotas de programa. Elas acreditam que esta ferramenta é um meio mais “seguro” para contatar possíveis clientes. “Todos os dias acesso a internet para buscar clientes, mas isso não diminui o perigo, pois converso com pessoas que nem estou vendo”, afirma Rebeca (nome fictício), de 17 anos, que mora em Caraguatatuba.

Quem procura clientes nas ruas da cidade diz se arriscar mais. É o caso de Ana Lúcia (nome fictício), de 17 anos. Ela diz que é vigiada pelos cafetões, que a seguem. Caso o cliente não pague pelo programa, ela tem que “recompensar” a perda fazendo programa com o próprio cafetão. “Eles nos obrigam a pedir o celular do cliente emprestado com a desculpa de que temos que ligar para nossas mães e que estamos sem crédito. Geralmente, os clientes emprestam. Na verdade, ligamos para os cafetões. Eles anotam o número dos clientes quando a chamada não é restrita. Caso dê alto errado e os clientes saem sem pagar, os cafetões ligam depois para extorquir dinheiro” 

Questionada, a prefeitura de Caraguatatuba respondeu, por meio de nota, "que a fiscalização de prostituição de menores é feita a partir de denúncias e pedidos feitos pela Vara da Infância e da Juventude. Não há registros no Conselho Tutelar em relação ao assunto".

Sobre a prostituição de maiores de idade, a prefeitura informou que faz orientações sobre a questão de saúde, como exames e usos de preservativos, já que a profissão não é ilegal.

Depoimentos

Veja relato das personagens entrevistadas. Os nomes são fictícios, para preservar suas verdadeiras identidades:

Lúcia, 17 anos

“Somos exploradas sexualmente e financeiramente”

“Estou nessa vida há pouco mais de um ano. Ninguém quer vender seu próprio corpo, mas quando estamos desempregadas e com filhos para criar, não vemos outra saída. É uma vida que não desejo a ninguém, primeiro porque perdemos a dignidade. Segundo, porque é muito arriscado. Convivemos com pessoas violentas, usuárias de drogas e traficantes. O pouco que ganhamos temos que dividir com os cafetões. Eu atuo nos barzinhos no entorno do calçadão de Caraguá. Tenho que atrair os clientes para algum daqueles barzinhos, pois é ali que os cafetões ficam nos observando. E eles bolaram um esquema de vigilância. Ficam na esquina e circulando entre as pessoas de olho na gente. Eles nos obrigam a pedir o celular do cliente emprestado com a desculpa de que temos que ligar para nossas mães e que estamos sem crédito. Geralmente, os clientes emprestam. Na verdade, ligamos para os cafetões. Eles anotam o número dos clientes quando a chamada não é restrita. Caso dê algo errado e os clientes saem sem pagar, os cafetões ligam depois para extorquir dinheiro deles, sob a ameaça de contar para suas esposas ou famílias. Caso o número dos clientes não apareça, os cafetões nos seguem até o motel. Caso o cliente não pague e não há como chegar até ele para ameaçar, os cafetões nos obrigam a fazer programa com eles para que possamos, de alguma forma, recompensar o prejuízo que tiveram. Somos exploradas sexualmente e financeiramente”.

Rebeca, 17 anos

“Antes de cada encontro, rezo para Deus me proteger”

 “Todos os dias entro na internet para buscar clientes em salas de bate-papo de Caraguá. É uma maneira mais fácil e rápida, sem eu precisar me expor nas ruas. Mas isso não diminui o perigo, pois converso com pessoas que nem estou vendo. Dou meu telefone, eles me ligam, perguntam o preço. Mas primeiro eu marco o encontro em locais bem movimentados, como barzinhos, pois caso eu desista, fica mais fácil eu sair daquela situação. Não saio com qualquer um. Sou bonita e apesar do que eu faço, tento me valorizar. Mas se eu topar fazer o programa, antes vou ao banheiro para rezar e pedir proteção. Antes de cada encontro, rezo para Deus me proteger. Mesmo assim, vou supertensa. Nunca sabemos se o cara é uma pessoa boa, se é violenta, se vai me matar. Entrei nessa vida por opção. Minha família é bem de vida, tem muito dinheiro, mas gosto de comprar as minhas coisas, pois meus pais não me dão dinheiro. Eles nem sonham o que eu faço. Tem um cliente que me banca, sou amante dele, que tem filhos e é infeliz no casamento. Me dá tudo o que quero e preciso. Ele já me pediu para sair dessa vida, que até abandonaria a esposa por mim. Mas tenho 17 anos e ele 48. Não rola”.

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