ESPETÁCULO PERVERSO

Lucas Penteado destruiu o BBB 21

O espetáculo perverso de que Lucas foi indubitavelmente a vítima é como aqueles acidentes em que mesmo com os corpos esfacelados a gente não consegue parar de olhar

T.S. Paulo
Publicado em 16/02/2021, às 10h23 - Atualizado às 11h19

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Lucas, querendo ou não, só fez uma coisa no BBB: esvaziou Lucas Penteado Lucas Penteado BBB
Lucas, querendo ou não, só fez uma coisa no BBB: esvaziou Lucas Penteado Lucas Penteado BBB

Juro que tinha planejada uma crônica pra coluna desta semana, porém, o BBB me colonizou o imaginário de tal forma que não penso em outra coisa. O motivo é muito simples, Lucas Koka Penteado. Agora que ele saiu, eu – que não assistia a televisão há sete anos - continuo assistindo a essa bagaça, pois narrativas pela metade, histórias sem final, me encafifam tanto quanto coito interrompido.

É possível que essa coluna se torne uma sucursal do Hugo Gloss e só falemos de BBB até saírem com rejeição recorde a mamacita Karol Conká, Projota e o pilantra do Nego Di – que é tão pilantra que deveria se chamar Branco Di.

É também possível que eu – cadelinha assumida do Lucas – até vote nos referidos paredões. E vocês, meia dúzia de leitores desta coluna, que lidem com uma overdose de BBB.

Mas voltemos ao Lucas. A última vez que me vi tão obsessivamente arrebatado por um personagem da indústria cultural foi pelo Walter White de Breaking Bad. Veja bem, não pelo BBB, pelo Lucas, figura talvez única em todos os BBBs.

O BBB não, o BBB é chorume perfumado.

Já a maneira como Lucas, querendo ou não, sequestrou e destruiu a dinâmica artificial do BBB foi deliciosa de ver. Lucas, querendo ou não, só fez uma coisa no BBB: esvaziou.

Confuso cafuso, num fuso confuso, confunde Confúcio. Um homem negro sangrando. Nego drama. Autossabotador autoproclamado. Lucas entendeu tudo. Lucas não entendeu nada.

O espetáculo perverso de que Lucas foi indubitavelmente a vítima é como aqueles acidentes em que mesmo com os corpos esfacelados, talvez por isso, a gente não consegue parar de olhar.

E agora que o Lucas saiu, o que na microrealidade do BBB simboliza um suicídio, torço pelo pior de seus malfeitores.

Aliás, sobre a saída de Lucas há quem diga que ele, um líder estudantil e militante de partido, levou ao BBB uma forma de inovação política cujo paroxismo se deu em sua saída do programa, que seria, neste diapasão, não uma expressão de desistência, mas de autocuidado. É um caso a se pensar.

Mas quero aqui me atentar para outra característica de Lucas muito pouco propalada. Lucas é um slammer, portanto, um poeta. Lucas é um praticante dessa estranha forma de arte cuja metade que valeria a pena não foi escrita e a outra metade tem que acabar. Coisa que muitos titubeiam na hora de definir e eu é que não vou ser louco de tentá-lo.

O fato é que fazer poesia implica uma relação muito esquisita com a linguagem. Lucas, com sua estranha dialética, parece que assimilou isso até na forma como lidou com os outros. Confuso cafuso, num fuso confuso, confunde Confúcio.

Com efeito, Penteado lembra muitas poesias. Lembra os versos do Criolo em Sistema Obtuso, que citei duas vezes nesse texto. Lembra também versos de Augusto dos Anjos, o pária, incompreendido, maldito e mais original poeta brasileiro.

É assaz lamentável que não houvesse alguém na casa que aconselhasse o rapaz com uns trechos de Versos Íntimos:

Toma um fósforo, acende o seu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se alguém causa ainda pena a tua chaga

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija.

Não houve. Já eras. Agora o BBB volta a ser a chatice artificial de sempre.

Após a saída do rapaz, até o Tiago Leifert chorou e disse aos demais participantes que faltou fair play. Não faltou fair play, faltou humanidade mesmo. Ou não, pois desde que o primeiro neanderthal cancelou outro neanderthal rachando sua cabeça com uma pedra lascada, a violência também é humana.

O fato é que Lucas Koka Penteado injetou seiva na vetusta árvore seca que era o programa.

Lucas lembra o Caráter Destrutivo de Walter Benjamin, com o qual encerro.

“O carácter destrutivo não vê nada de duradouro. Mas por isso mesmo vê caminhos por toda a parte, mesmo quando outros esbarram com muros e montanhas. Como, porém, vê por toda a parte um caminho, tem de estar sempre a remover coisas do caminho. Nem sempre com brutalidade, às vezes fá-lo com requinte. Como vê caminhos por toda a parte, está sempre na encruzilhada (...). Converte em ruínas tudo o que existe, não pelas ruínas, mas pelo caminho que as atravessa”.

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