MANIFESTAÇÕES

Secundaristas protestam e barram plano de fechamento de escola no litoral de SP

Imbróglio começou após deputado anunciar que municipalização de escola estadual estava sendo discutida com secretários de educação. Protestos de comunidade escolar obrigaram as autoridades a se manifestarem, negando que haja planos de municipalizar escola

Thiago S. Paulo
Publicado em 19/09/2022, às 11h59 - Atualizado às 16h20

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Estudantes durante protesto na última quinta (15) foto 2 - Secundaristas protestam e barram plano de fechamento de escola no litoral de SP - Imagem: Reprodução
Estudantes durante protesto na última quinta (15) foto 2 - Secundaristas protestam e barram plano de fechamento de escola no litoral de SP - Imagem: Reprodução

A mobilização de estudantes, pais e professores barrou planos de municipalização da Escola Estadual Benedito Calixto na região central de Itanhaém, litoral de SP.

Após descobrirem que a municipalização da escola estava sendo cogitada, a comunidade escolar articulou protestos nas ruas da cidade e fez um estardalhaço nas redes obrigando os secretários estadual e municipal de Educação a se comprometerem a não municipalizar a escola.

Única escola da cidade com um centro de idiomas público e, portanto, gratuito, a EE. Benedito Calixto reúne cerca de 120 professores e funcionários e mais de 1.000 estudantes divididos entre os ensinos médio integral e noturno.

EE. Benedito Calixto, em Itanhaém A escola - Secundaristas protestam e barram plano de fechamento de escola no litoral de SP (Imagem: EE Benedito Calixto@Facebook)

Professores e alunos afirmam que, na prática, uma municipalização da escola de 72 anos significaria seu fechamento, pois a escola deixaria de oferecer o ensino médio e passaria a ser uma escola de ensino fundamental.

Com isso, a atual comunidade escolar seria diluída nas outras seis escolas estaduais da cidade. De mala e cuia, professores, funcionários e estudantes enraizados na escola seriam obrigados a se transferir para outra unidade escolar.   

“Nós já formamos mais de 30.000 alunos e essa municipalização seria desastrosa pra gente”, disse à reportagem uma funcionária da gestão da escola que preferiu não se identificar.

Leia também:quem foi Benedito Calixto?

Telefone sem fio: a municipalização

Docentes e discentes afirmam que a luz de alerta se acendeu no início deste mês, após eles descobrirem que Samuel Moreira (PSDB), um deputado federal por SP que tenta se reeleger, havia participado de uma reunião na Secretaria Estadual de Educação, em que também estiveram presentes a secretária municipal de educação de Itanhaém, Márcia Galdino, e o secretario estadual de educação, Hubert Alquéres.

Em 12 de julho, data da reunião, o próprio deputado anunciou em seu perfil oficial no Facebook que a municipalização da escola havia sido discutida no encontro.

“Nós acreditamos no poder transformador através da Educação. Outro assunto tratado [na reunião] foi a municipalização da Escola Estadual Benedito Calixto de Itanhaém”, disse, à época, o parlamentar. Três dias depois, em 15 de julho, a secretária municipal de educação de Itanhaém compartilhou o anúncio do deputado.

Anuncio do deputado federal Samuel Moreira Anuncio dep. Samuel - Secundaristas protestam e barram plano de fechamento de escola no litoral de SP (Imagem: Reprodução / Samuel Moreira@Facebook)

“Os alunos ficaram sabendo da informação até um pouco antes de nós professores e comentaram com a gente”, disse Daniel Bizzoto, professor de sociologia na escola. “Começou aí, com os próprios funcionários da prefeitura republicando; e em toda a rede municipal [funcionários] já escolhendo os cargos aqui na nossa escola”, disse a funcionária da escola.

José Augusto Santos, um aluno do 3º ano da escola, afirma que a sensação dos alunos era de incerteza e medo de serem transferidos subitamente.

“Essa escola pra mim é tudo.  É uma escola super acolhedora, os professores ensinam super bem. Se tudo der certo na minha vida, eu quero ser professor e dar aula aqui. Quero ser como muitos dos meus professores que estudaram e hoje dão aula aqui. Então, quando eu fiquei sabendo desse negócio de municipalização, eu fiquei chocado. Algo que eu nunca esperei que acontecesse e isso meio que ia cancelar meu sonho”, confessa o estudante.

O professor Daniel e a funcionária da direção afirmam que o problema é que o plano de municipalização da escola começou a se delinear unilateralmente sem diálogo com a comunidade escolar, a mais afetada pela medida.

“Nós falamos com a direção da escola e com a diretoria regional de ensino. Eles alegaram que ninguém havia tratado dessa municipalização com eles”, afirma o sociólogo que leciona na escola há oito anos.

“Eu penso que o correto é que a nossa diretoria de ensino fosse ouvida, fosse consultada. Porque a diretoria de ensino é responsável pelas escolas estaduais do município. Nós não recebemos nenhuma comunicação oficial do nosso órgão superior”, afirma a funcionária da gestão da escola.

A direção da escola confirmou que não foi consultada. A diretoria regional de ensino a que a escola está subordinada é a de São Vicente.  

A quem interessa municipalizar a escola

Sob condição de anonimato, um gestor educacional da cidade disse à reportagem que a secretaria de Educação de Itanhaém planeja municipalizar a escola estadual para transferir para o local  uma escola de educação infantil e ensino fundamental que funciona a 600 metros dali, a EM profª. Silvia Regina Schiavon Marasca.

Questionada pela reportagem, a secretaria municipal de educação de Itanhaém não fez menção ao fato, mas dados contábeis do Portal da Transparência de Itanhaém mostram que a escola municipal funciona em um prédio alugado por mais de R$ 44.000 mensais. De janeiro a agosto deste ano, a prefeitura de Itanhaém desembolsou mais de R$ 354.000 de aluguel pelo prédio.

Em 2016, o mesmo prédio onde funciona a escola municipal foi interditado pela Defesa Civil da cidade após alunos sentirem tremores dentro da unidade. Na época, por segurança, as aulas foram transferidas temporariamente para outro prédio.

Somente em 2022, prefeitura de Itanhaém pagou mais de R$ 300.000 de aluguel prédio da EM Marasca Aluguéis EM Marasca - Secundaristas protestam e barram plano de fechamento de escola no litoral de SP Alugueis pagos pela prefeitura pelo prédio da EM Marasca (Imagem: Portal da Transparência de Itanhaém)

Os protestos

Daniel afirma que após malogradas as tentativas de apelar ao prefeito da cidade, Tiago Cervantes (PSDB), os alunos da escola tomaram a iniciativa de protestar contra a municipalização com apoio de grande parte do corpo docente.  

Estudantes durante protesto na última quinta (15) foto 2 - Secundaristas protestam e barram plano de fechamento de escola no litoral de SP (Imagem: Reprodução)

No último dia 10, um sábado, munidos de um abaixo-assinado com cerca de 300 assinaturas de alunos, pais, professores e funcionários, a comunidade escolar conseguiu a atenção do governador do estado, Rodrigo Garcia (PSDB), que cumpria agenda de campanha na cidade.

“Levamos os nossos cartazes, fizemos uma manifestação totalmente pacífica e mostramos nossa dificuldade. O governador nos recebeu para uma conversa rápida”, disse Bizzoto.

Dias depois, na última quinta (15 de setembro), enquanto candidatos a deputado e prefeitos da região se reuniam em uma náutica de Itanhaém, alunos e professores faziam outra manifestação do lado de fora. “Outro protesto pacífico; conversamos com a liderança política e eles então nos garantiram que não acontecerá mais essa tentativa de municipalização”.

Pouco tempo depois, o secretário estadual de educação se manifestou nas redes sociais. “[Escola] Benedito Calixto é da rede estadual. Não existe municipalização”, disse ele. A secretaria estadual de Educação de São Paulo disse à reportagem que “não há nenhum processo em curso envolvendo a municipalização da Escola Estadual Benedito Calixto”.  

Bombardeada por reclamações nas redes sociais, a secretária de educação de Itanhaém também anunciou que não haveria municipalização da escola.

Em seus anúncios, tanto o secretário estadual quanto a secretária municipal de educação sugeriram que a comunidade escolar da Benedito Calixto estava propalando fake news, mas nenhum deles explicou por que um deputado federal disse que a municipalização estava na mesa durante um encontro oficial com eles.

“Se isso foi tratado em uma reunião é porque há uma intenção. Por que esse estudo não foi primeiro conversado com a nossa diretoria de ensino?”, questiona a funcionária da direção da escola.

O deputado federal Samuel Moreira e a secretária municipal de educação de Itanhaém, Márcia Galdino, não responderam aos questionamentos da reportagem. 

A prefeitura da cidade disse, via assessoria, que “não existiu nenhuma discussão sobre a municipalização da escola”. Na reunião que deu início ao imbróglio foi discutida a ampliação no atendimento dos anos finais do ensino fundamental.

José Augusto, o terceiranista da escola, é cético quanto aos comunicados das autoridades educacionais e acredita que foram os protestos da comunidade escolar que os dissuadiu dos planos de municipalizar a escola. “Se a gente não tivesse feito esses protestos, corríamos o risco de chegar o ano que vem e cada pai receber uma carta dizendo que seu filho não estuda mais nessa escola”.

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