CAI SEMANA LGBTQIA+

“Me sinto invisível perante eles”, desabafa trans de Ilhabela após vereadores rechaçarem semana LGBT

“Nada contra, tenho muitos amigos”, chegou a justificar um vereador logo após rejeitar projeto que instituiria semana de Orgulho LGBTQIA+ no calendário oficial da cidade. Moradora trans acredita que recusa ao projeto foi motivada por LGBTfobia dos vereadores; veja vídeos

Thiago S. Paulo
Publicado em 15/09/2022, às 14h58 - Atualizado às 17h07

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Camilly Vitória, jovem trans de Ilhabela e vereadores da cidade durante sessão legislativa que arquivou projeto de Semana do Orgulho LGBTQIA+ na cidade CAPA - “Me sinto invisível perante eles”, desabafa mulher trans de Ilhabela, em SP, após vereadores rech - Imagens: Acervo Pessoal / Camilly Vitória / Câmara Municipal de Ilhabela
Camilly Vitória, jovem trans de Ilhabela e vereadores da cidade durante sessão legislativa que arquivou projeto de Semana do Orgulho LGBTQIA+ na cidade CAPA - “Me sinto invisível perante eles”, desabafa mulher trans de Ilhabela, em SP, após vereadores rech - Imagens: Acervo Pessoal / Camilly Vitória / Câmara Municipal de Ilhabela

Vereadores de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, rejeitaram, nesta terça (13), um projeto de lei que implementaria a Semana de Orgulho LGBTQIA+ no calendário oficial do arquipélago turístico.  

O projeto de lei 27/2022, apresentado no final de junho pelo vereador Edilson "da Ilha" dos Santos, do PL, propunha a celebração da semana LGBTQIA+ anualmente no final de junho, em Ilhabela. Coincidindo com o calendário internacional e de diversas cidades brasileiras, a proposta visava a instituir atividades de afirmação da comunidade LGBTQIA+ e de conscientização da população geral (leia aqui).

O projeto, porém, nem sequer chegou a ser votado. Em uma câmara municipal majoritariamente cisgênero, masculina e heterossexual, o projeto já havia sido barrado em 17 de agosto, por um parecer arbitrário da Comissão de Justiça e Redação assinado pelos vereadores Alessandro "Abençoado" Vieira, também do PL, e Donato "Viola" Silva, do AVANTE.

No documento, a que teve acesso a reportagem, os vereadores não justificam seu parecer contrário à instituição da semana de Orgulho LGBTQIA+ na cidade.  

Na sessão desta terça, cinco de sete vereadores rejeitaram um recurso do autor e endossaram o parecer contrário, sob protestos de um grupo de pessoas LGBTQIA+ que ocuparam o plenário da Câmara.

A jovem trans de Ilhabela, Camilly Vitória Andrade, de 23 anos, que foi à Câmara para pressionar os políticos no dia da votação, acredita que o rechaço ao projeto pelos vereadores tenha sido motivado por LGBTfobia:

“Eu não vejo nenhum outro motivo que tenha levado à recusa do projeto além de LGBTfobia. Porque o projeto não tem nenhuma ilegalidade; o projeto não é nada diferente do que a cidade está acostumada a fazer”, argumentou a jovem trans. “A cidade proporciona todos os tipos de eventos pra todos os tipos de classe, até de religião. Mas nós LGBTQIA+ não temos uma semana, não temos essa conscientização sobre nossos direitos e sobre combate à LGBTfobia e à violência”.

Favoráveis ao veto, os vereadores Viola, Alessandro "Abençoado" Vieira (PL), Felipe Gomes (Republicanos) e Gabriel Rocha (Solidariedade) não usaram os cinco minutos regimentais e barraram o projeto sem dar nenhuma explicação (assista ao vídeo acima).

Somente um dos parlamentares contrários ao projeto, o vereador José Pereira "Zé Preto" da Silva, do PDT, explicou seus motivos durante a sessão. “Eu não sou nada contra", disse o vereador, instantes após votar contra o projeto. “Eu tenho muitos amigos desse movimento”.

“Eu me sinto desrespeitada”, comentou Camilly sobre a recusa do projeto pelos vereadores. “É como se nós LGBTQIA+ não existíssemos na cidade. Como se a gente não ocupasse lugares na cidade. Todos os tipos de empresas na cidade com toda certeza tem alguém LGBTQIA+. Então eu me sinto desrespeitada e invisível perante eles. E me senti mais desrespeitada ainda, quando um dos vereadores foi tentar justificar seu voto e disse que ele não tinha nada contra. Que ele até tinha alguns amigos LGBTQIA+”.

O vereador Zé Preto também justificou seu voto por não ter analisado o projeto e foi interpelado pelo autor, o vereador Edilson "da Ilha": “Vou discordar, se quisesse analisar não teria barrado [o projeto] aqui e você teria a chance de analisar”.

O vereador Raul "da Habitação" Cordeiro, do PSD, o único da Comissão de Justiça e Redação que não se opôs ao projeto, opinou que o projeto é constitucional: “Não vejo nada de ilegal nesse projeto de lei”, afirmou durante a sessão em que foi favorável ao PL.  

O vereador Edilson "da Ilha" argumentou que o parecer contrário ao projeto “não teve justificativa e nem fundamentação legal” e acrescentou que o projeto “visa somente a discussão e o diálogo contra qualquer preconceito”.

O projeto de lei, disse à reportagem o gabinete do vereador Edilson "da Ilha", propunha estimular a discussão e o aprofundamento de temas ligados ao combate à intolerância, ao preconceito, e aos crimes de ódio motivados por LGBTfobia em Ilhabela, “através da realização de debates, seminários e palestras, visando estimular a participação ativa da população na discussão e contribuir para uma sociedade mais equânime e humana”.

Para Camilly, a recusa ao projeto contribui para manter pessoas da comunidade LGBTQIA+, especialmente as trans como ela, na marginalidade.“Eu uso de exemplo até uma coisa que aconteceu comigo. Eu vejo várias travestis e transsexuais aqui na cidade. Quando eu fui no posto [de Saúde] para dar entrada na minha transição de gênero, descobri que eu estava sendo a primeira mulher trans a fazer esse procedimento em Ilhabela”, explica a jovem, que prossegue:

“Então assim, se essas travestis e transsexuais fossem informadas sobre o direito delas, que o SUS faz esse tipo de procedimento, a transição, eu acho que talvez elas não estariam passando por esse processo sozinhas, correndo risco de vida, provavelmente aplicando hormônio sozinhas. Isso é um perigo. E isso é falta de conscientização. Se a gente tivesse esse tipo de conscientização, isso não aconteceria”.

Com a maioria dos vereadores favoráveis ao parecer contrário, a proposta de uma semana LGBTQIA+ em Ilhabela foi arquivada no legislativo municipal.  

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