JARARACAS, ABELHAS E CERVO FERIDO

Nove guardas e um segredo: como 9 GCMs de Guarujá salvaram 2 mil animais selvagens em 4 anos

Pequeno grupamento ambiental se desdobra para resgatar e reintegrar animais silvestres às gigantescas áreas de mata nativa da cidade da costa paulista. “A gente tem a impressão que o animal olha pro nosso olho e agradece”, afirma um dos agentes que já participou até de resgate de cervo machucado. Para biólogos, apesar de nem sempre existentes, guardas ambientais municipais são fund

Thiago S. Paulo
Publicado em 05/05/2023, às 07h50 - Atualizado às 10h53

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J. Silva, guarda municipal ambiental em Guarujá, durante resgate de animal em área de mata nativa na cidade Capa - Nove homens e um segredo: como 9 guardas de Guarujá resgataram mais de 2 mil animais selvagens em 4 anos Guarda ambiental mostrando ave em ár - Imagem: Severino José da Silva / Prefeitura de Guarujá
J. Silva, guarda municipal ambiental em Guarujá, durante resgate de animal em área de mata nativa na cidade Capa - Nove homens e um segredo: como 9 guardas de Guarujá resgataram mais de 2 mil animais selvagens em 4 anos Guarda ambiental mostrando ave em ár - Imagem: Severino José da Silva / Prefeitura de Guarujá

Nos últimos quatro anos, um pequeno e notável efetivo composto atualmente por nove guardas municipais ambientais conseguiu reintegrar nada menos que 2.175 animais silvestres à ampla área da Mata Atlântica de Guarujá no litoral de São Paulo.

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Sem mencionar um incontável número de abelhas – que por razões óbvias não entram na contagem - entre os animais que foram reintegrados à natureza selvagem da cidade estão desde simpáticos gambás a inofensivas cobras d’água, passando por uma infinidade de aves, temidas jararacas e até um cervídeo que apareceu machucado perto de uma estrada.

O episódio marcou Severino José da Silva, mais conhecido como J. Silva na guarda ambiental onde trabalha há quase 16 de seus 48 anos. “Era um cervo, um mamífero que não é comum aparecer dentro da área urbana”, relatou ele em entrevista.

“O cervo caiu de um penhasco perto de um elevado, e a gente foi acionado. Foi tratado e a gente soltou ele ali na serra do Guaraú. É um sentimento muito compensador você pegar um animal que está debilitado e poder resgatá-lo e soltá-lo em segurança depois na mata. Algumas vezes, a gente tem a impressão que o animal olha pro nosso olho e agradece”, confessou J. Silva que completou. "Eu não me vejo trabalhando em outro segmento. Me sinto muito útil podendo ajudar esses animais”.

As dimensões da área de mata nativa de Guarujá justificam a média anual de mais 500 animais reintegrados, apesar do minúsculo efetivo. Quase metade dos 144 mil km² da cidade são de Mata Atlântica, apontam dados do IBGE e da gestão municipal.

Os números de animais resgatados, por seu turno, são de um levantamento de hoje (5) do Portal Costa Norte com base em dados da administração municipal da cidade e que não consideram resgates efetuados por outros órgãos ambientais com atuação na cidade, como a Polícia Militar Ambiental ou o Instituto Gremar.

Biólogos consultados pela reportagem pontuam que, mesmo com relevantes áreas silvestres, nem sempre as cidades dispõem de guarda ambiental.

“Nem todo município com área verde tem guarda municipal ambiental. E deveriam ter, afinal de contas, nós somos o país com maior biodiversidade do mundo e já está mais do que comprovado que a floresta em pé vale mais do que a floresta deitada”, explicou à reportagem o biólogo e divulgador científico Henrique Charles Abrahão, também conhecido como Biólogo das Cobras.

Para o biólogo e consultor ambiental Enrico Tosto, uma guarda municipal ambiental robusta pode ser a ponta de lança de uma política ambiental bem sucedida. “Todas as cidades com matas, principalmente as que têm unidade de preservação, deveriam ter uma guarda ambiental, mas nem todas têm. A guarda auxilia no resgate de fauna, na fiscalização e também na instrução à população sobre animais silvestres. Muitas vezes as pessoas não sabem o que fazer e uma guarda ambiental municipal ajuda. É importante”. 

Biólogo e herpetologista Henrique Abrahão, também conhecido como biólogo das cobras Henrique - Nove homens e um segredo: como 9 guardas de Guarujá resgataram mais de 2 mil animais selvagens em 4 anos Homem segurando cobra (Imagem: Acervo Pessoal / Henrique Charles Abrahão)

Guardas ambientais municipais bem treinadas deveriam ser regra, mas são exceção

J. Silva explica que a atuação dele e de seus oito companheiros geralmente começa com o encontro dos animais silvestres em vias públicas, propriedades ou residências. “Nesses casos, desde que o animal não esteja debilitado nem seja exótico, a gente captura e destina ele pro local de mata, de origem. Se a saúde do animal estiver debilitada, a gente leva pra um veterinário, para um Cetas [Centro de Triagem de Animais Silvestres] ou pra um parceiro associado que vai tratar o animal, reabilitá-lo e posteriormente vai indicar o animal e a gente vai fazer a soltura”.

A prefeitura de Guarujá disse que os guardas municipais passam por treinamentos tanto para o manejo de abelhas quanto para o resgate de espécies e que eles utilizam equipamentos de proteção individual, os EPIs.

Essa não é, no entanto, a realidade da maioria das guardas ambientais municipais do país quando existem, avalia Abrahão. “As guardas ambientais geralmente não recebem treinamento e não têm a obrigatoriedade de possuir um profissional qualificado. Em 99% das vezes, não tem um biólogo concursado e muito menos um veterinário”, critica.

Essa precariedade se reflete negativamente no manejo animal, complementa Tosto. “Quando você pensa em fazer o resgate e devolver o bicho à natureza, a maioria das guardas não consegue dar conta de todos. Então, muitos animais acabam não sendo reintegrados à natureza.”

O problema é mais provocado pela legislação e menos pelos agentes, enfatiza Abrahão. “Esses profissionais da guarda de Guarujá, assim como quaisquer outros guardas do Brasil inteiro, são heróis, fazem muito mais do que podem fazer, na maioria das vezes sem apoio nenhum”.

J. Silva reconhece a excepcionalidade do treinamento do grupamento de que faz parte, mas avalia que, de fato, ainda há o que melhorar na guarda ambiental da cidade.

“Guarujá é um grande berço de animais, ilhas repletas de animais. Considerando o tamanho da nossa fauna aqui, da nossa biodiversidade, tinha que ter uma atenção maior. A gente faz o possível, a gente às vezes deixa de ir almoçar ou sai depois do horário porque a gente está preocupado em salvar um animal, porque pra nós é muito relevante a reabilitação desses bichos todos”.

Biólogo e consultor ambiental Enrico Tosto Tosto - Nove homens e um segredo: como 9 guardas de Guarujá resgataram mais de 2 mil animais selvagens em 4 anos Biólogo no meio do mato (Imagem: Acervo Pessoal / Enrico Tosto)

Segundo apurado pela reportagem, por enquanto, a guarda ambiental de Guarujá não tem biólogo ou veterinário em seu quadro fixo. Não por muito tempo, se depender de J. Silva. “A gente vai se atualizando, fazendo novos cursos. Futuramente eu tenho a pretensão de cursar biologia”.

Quase uma jararaca resgatada por mês

Em uma das ações mais recentes divulgadas pela guarda ambiental de Guarujá, uma jararaca foi encontrada aninhada na roda de um carro na região central da cidade. Posteriormente, a serpente foi devolvida à natureza e entrou para a contabilidade de animais salvos.

A quantidade de jararacas resgatadas, quase uma por mês no ano passado, é outro dado da Guarda Ambiental de Guarujá que salta aos olhos.

“A jararaca não é uma serpente que costuma ir para o meio urbano”, explica o biólogo Henrique. “Geralmente as jiboias, serpentes arboríficas que conseguem escalar muros etc., são as mais devolvidas, mas, claro, vai variar de lugar pra lugar. Se elas estão aparecendo na área urbana, é porque alguma coisa está errada. As casas podem estar invadindo a floresta e elas [jararacas] estão ficando sem o habitat”.

Guarda ambiental J. Silva, durante ação em Guarujá 2 - Nove homens e um segredo: como 9 guardas de Guarujá resgataram mais de 2 mil animais selvagens em 4 anos Guarda Ambiental na mata (Imagem: Severino José da Silva / Prefeitura de Guarujá)

Tosto complementa. “O que acaba acontecendo é que em lugares em que há muito lixo, entulho, lugares atrativos pra roedores, perto de áreas de mata ou até centros urbanos, isso pode atrair as jararacas”.

Apesar de peçonhentas, as jararacas têm importância médica, ressalta Abrahão que, como indica seu apelido, é especialista em cobras. “Jararacas são serpentes peçonhentas, mas são de fundamental importância para o equilíbrio da natureza. A maior parte dos acidentes com serpentes é com elas, mas em contrapartida elas são fundamentais, por exemplo, em descobertas científicas. O próprio remédio de pressão alta, Captopril, foi desenvolvido a partir de uma toxina da jararaca, salvando milhões de pessoas de ter um infarto ou algo parecido diariamente”.

O que fazer em casos de animais silvestres em casas ou áreas urbanas

Em caso de encontro com animais silvestres em áreas urbanas, incluindo residências, a orientação de órgãos ambientais é não interagir para não estressar o animal.

“A grande maioria [dos animais silvestres] ataca quando se sente ameaçado. Qualquer ferimento decorrente de animais silvestres pode acarretar sérios problemas de saúde devido às bactérias e microorganismos”, explicou o Grupamento de Defesa Ambiental (GDA) de Guarujá .

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O ideal é isolar a área em que o animal se encontra e acionar prontamente o serviço de resgate de animais silvestres, a Polícia Militar Ambiental ou outro órgão que atue no resgate. Em caso de encontro com animais selvagens, também é importante afastar animais domésticos da área, pois eles podem atacar ou ser atacados.

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