INSULTOS RACISTAS

“A conta, neguinha”: Cliente humilha garçonete negra e sai impune de pastelaria no litoral de SP

“Me senti como se eu não fosse nada. Como se eu não existisse no meio das pessoas”, diz garçonete injuriada racialmente por cliente branco em Guarujá. “Eu ia enfiar a mão na cara dele”, afirma mulher que testemunhou insultos e interferiu

Thiago S. Paulo
Publicado em 27/05/2022, às 13h39 - Atualizado às 16h25

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Trechos da denuncia feita por Islla, em seu perfil pessoal nas redes sociais Denuncia Islla - “A conta, neguinha”: cliente humilha garçonete negra com insultos racistas e sai impune de pastelaria no litoral de SP Colagem de três fotos com denuncia de injur - Imagem: Reprodução / IsllaMarinho@Instagram
Trechos da denuncia feita por Islla, em seu perfil pessoal nas redes sociais Denuncia Islla - “A conta, neguinha”: cliente humilha garçonete negra com insultos racistas e sai impune de pastelaria no litoral de SP Colagem de três fotos com denuncia de injur - Imagem: Reprodução / IsllaMarinho@Instagram

“Entrei pra cozinha e lá fiquei. Paralisada”. É assim que Lavínia Santos, uma garçonete negra de 18 anos, afirma ter reagido quando soube que foi vítima de uma série de insultos racistas proferidos por um cliente da pastelaria Pastel da Amizade, no Guarujá, onde ela trabalha há pouco menos de um ano.

Em entrevista nesta quinta (25), Lavínia disse que apesar do cliente tê-la destratado quando ela foi atender sua mesa, só percebeu os insultos racistas quando Islla Marinho, outra cliente que estava na pastelaria, ouviu o homem pedir a conta se dirigindo a Lavínia como ‘’escurinha’’e ‘’neguinha’’.

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Ao testemunhar as ofensas, Islla se destemperou e armou um rebuliço na pastelaria. Enquanto Lavínia estava petrificada na cozinha, o cliente, ainda não identificado, saiu rapidamente do local. Impune.

Trechos da denuncia feita por Islla, em seu perfil pessoal nas redes sociais Denuncia Islla - “A conta, neguinha”: cliente humilha garçonete negra com insultos racistas e sai impune de pastelaria no litoral de SP Colagem de três fotos com denuncia de injur (Imagem: Reprodução / IsllaMarinho@Instagram)

Lavínia afirma que, no final da tarde desta segunda (22), horário de pouco movimento na pastelaria, trabalhava normalmente quando o cliente, um homem branco de cerca de 65 anos, acompanhado de uma jovem, chegou ao local, a cerca de 3km da região central de Guarujá.

“Esse senhor chegou e sentou com  uma moça. Ele falou que tinha um restaurante em Piracicaba e ela era chefe de cozinha dele”, relembra Lavínia. “Até aí, não sofri nenhum tipo de racismo. Logo depois, vi que ele começou a implicar comigo”.

Pouco após ser servido por ela, diz Lavínia, o homem perguntou quem havia feito o pastel que ele havia pedido. “Como tenho costume de ser muito comunicativa, eu disse pra ele que eu [havia fritado]. Brinquei que eu sou 10 em 1 e dei risada. Daí ele disse que a moça com ele era chef do restaurante dele e perguntou se ela me contrataria, porque ele não”.

Depois da provocação cáustica, diz Lavínia, o que ela leu como implicância prosseguiu. “Ele pediu pra eu pegar uma cerveja Original. Logo depois pediu pra eu pegar uma Petra porque ele não tinha pedido Original. Pedi desculpas, e fui pegar a cerveja pedida por ele, mesmo tendo certeza que ele pediu a outra. Depois, ele pediu mais uma, eu levei a Petra, e ele pediu a Original. Eu disse pra ele ‘Mas o senhor não tá bebendo Petra?' Ele simplesmente me disse pra fazer o que ele estava mandando. Eu fiz. E daí comecei a perceber algo diferente”.

Nessa hora, diz Lavínia, uma garçonete do período noturno chegou ao local, e ela, desconfiada do tratamento do homem, foi para o caixa da pastelaria, enquanto a outra trabalhadora passou a atendê-lo. “A menina que estava servindo era branca e ele não queria ser atendido por ela”.

Embora a outra garçonete o estivesse atendendo, o homem passou a insistir para que Lavínia, que estava no caixa, levasse a conta. Em uma denúncia em seu perfil pessoal nas redes sociais, Islla, a cliente que interveio, disse que, aos risos, o homem se dirigia a Lavínia perguntando “A neguinha não vai trazer a conta não?", "Ô escurinha, eu quero a conta.”, dentre outros insultos racistas.  

Lavínia Santos. Jovem garçonete foi vítima de insultos raciais enquanto trabalhava em pastelaria em Guarujá Lavínia - “A conta, neguinha”: cliente humilha garçonete negra com insultos racistas e sai impune de pastelaria no litoral de SP Jovem negra (Imagem: Acervo Pessoal / Lavínia Santos)

A reportagem não conseguiu contatar Islla nesta sexta (26). Porém, em sua denúncia nas redes, ela afirma que ao testemunhar as ofensas racistas contra a garçonete, resolveu intervir.

“Ele achou que eu não estava ouvindo. Ele estava rindo dela e falando em tom baixo. [Eu] não conhecia a moça. Jamais imaginei alguém passando por isso na minha frente. Fiquei em um estado de nervos que eu tremia e gritava”, explicou Islla.

“Ela estava na mesa do lado dele”, diz Lavínia sobre o momento em que Islla interferiu. “Ela pediu pra eu não ir até a mesa dele e falou pra eu chamar a polícia. Eu não estava entendendo o que estava acontecendo. Então, ela, com muita sinceridade no olhar e se tremendo de raiva do absurdo que passei, disse gritando as coisas que ele me chamou. Perguntou se eu queria chamar a polícia e se fosse preciso ela passaria a noite toda na delegacia comigo. Foi um susto. Me senti muito mal, como se eu não fosse nada, sabe? Como se eu não existisse no meio das pessoas”, recorda-se Lavínia.

Enquanto Islla discutia com o cliente, Lavínia se trancou na cozinha. “Eu estava nervosa, confusa e sem reação. Não sabia o que fazer”. Exposto, pouco tempo depois, o homem entrou em um carro preto e foi embora do local. “Se ele não saísse de lá, eu ia enfiar a mão na cara dele e ele viu, por isso se retirou”, disse Islla.

Elisângela Rodrigues, gerente da pastelaria, disse que, como o horário era de pouco movimento, não estava no local na hora. Ela lamentou o ocorrido e afirmou que a pastelaria presta apoio à Lavínia. “A gente é contra qualquer tipo de preconceito. Todos os funcionários estão autorizados a responder à altura. Se forem desrespeitados, podem responder à altura e se precisar chamar a polícia, podem chamar”, disse.

Lavínia disse que não procurou a polícia no dia, e avalia a possibilidade de denunciar o agressor. “Eu fiquei um tempo na pastelaria com medo que ele fizesse algo comigo pelas ruas próximas do meu local de trabalho. Estava nervosa. Estou vendo quais decisões irei tomar”, confessou.

“Infelizmente, vivemos em um mundo assim . Um dia, ele vai receber o que merece. Eu sou negra, sou linda, sou batalhadora, sonhadora, determinada e muito inteligente... Muito diferente das palavras dele”, completou a jovem, que sonha em ser modelo.

Segundo o Código Penal, insultos relacionados à raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência são classificados como delito de injúria qualificada. Quando relacionados à raça ou cor, o delito é classificado como injúria racial e pode render pena de 1 a 3 anos de reclusão.  

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