DIA DA MATA ATLÂNTICA

Sem cortar uma árvore, produtor de Bertioga desenvolve bebida de fruto natural da Mata Atlântica

Engenheiro florestal conta como virou produtor de cerveja artesanal à base de cambuci e entrou para a rota gastronômica do fruto. Vital para segurança alimentar do país, bioma ainda enfrenta desmatamento em grande escala, mas iniciativas de restauração também crescem, explica diretor da SOS Mata Atlântica

Thiago S. Paulo
Publicado em 26/05/2023, às 09h15 - Atualizado às 10h38

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Cristiano 'Pintado' Lanza e sua cerveja à base de cambuci. Objetivo vai muito além de comercializar, explica produtor CAPA - Sem cortar uma árvore, produtor de Bertioga desenvolve bebida de fruto natural da Mata Atlântica Montagem com homem ruivo em mata,  - Imagem: Cristiano Lanza
Cristiano 'Pintado' Lanza e sua cerveja à base de cambuci. Objetivo vai muito além de comercializar, explica produtor CAPA - Sem cortar uma árvore, produtor de Bertioga desenvolve bebida de fruto natural da Mata Atlântica Montagem com homem ruivo em mata, - Imagem: Cristiano Lanza

Representantes de entidades que atuam na preservação da Mata Atlântica e produtores sustentáveis avaliam que o caminho rumo à restauração do bioma é árduo, porém possível. “Temos um caminho muito contraditório em direção à preservação da Mata Atlântica porque, por um lado, a gente tem desmatamento ainda acontecendo em grande escala, 20 mil hectares por ano pelo menos. Por outro, a Mata Atlântica foi apontada pela ONU como uma das dez regiões do mundo mais promissoras para a década de restauração de ecossistemas”, explica o diretor executivo da SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto.

Um estudo da própria fundação, coordenado por ele e outros pesquisadores e lançado no final do ano passado na COP27, a Conferência do Clima da ONU, mostra que 50% dos alimentos consumidos no país são produzidos na Mata Atlântica, cujo dia nacional é celebrado em 27 de maio.

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Entre os alimentos mais presentes no prato dos brasileiros, a produção no bioma concentra 54% da batata, 63% da banana e dos ovos, 90% do feijão preto e do café conilon e 97% da maçã. Ainda segundo o estudo, nos quase 70 milhões de hectares de Mata Atlântica espalhados por 17 estados brasileiros também são criados 62 de cada 100 cabeças de bovinos, ovinos, aves e suínos consumidos no país.

“A Mata Atlântica é um dos biomas de maior biodiversidade do mundo, de maior riqueza de vida do planeta”, explica Guedes Pinto. “E na produção de alimentos, na nossa segurança alimentar, durante praticamente toda a história do Brasil foi o bioma que alimentou o Brasil. É o bioma mais devastado da nossa história, desde 1500 foi destruída em vários ciclos econômicos, mas a gente tem um monte de iniciativas promissoras de restauração”.

Luís Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo, pesquisador e diretor executivo da SOS Mata Atlântica Guedes Pinto - Sem cortar uma árvore, produtor de Bertioga desenvolve bebida de fruto natural da Mata Atlântica Homem branco de meia idade com árvore ao (Imagem: Luís Fernando Guedes Pinto)

Uma delas é a Rota do Cambuci, criada há 15 anos pelo Instituto Auá, explica Gabriel Menezes, executivo do Instituto. "A Rota do Cambuci nasceu no final de 2008 como uma junção de festivais gastronômicos que estavam começando a acontecer. A coisa foi se desenvolvendo principalmente com produtores artesanais de geléia, doces, salgados, antepastos, biscoitos, bebidas e tudo que você pode imaginar usando o cambuci e as nativas [da Mata Atlântica] em uma produção que não degrada o bioma. Em 2014, além de um roteiro de festivais gastronômicos, a Rota do Cambuci virou também um programa de desenvolvimento territorial reconhecido pelo governo do estado”.

Cristiano Lanza, um engenheiro florestal de Bertioga, conta que soube da Rota do Cambuci em meados de 2016 e, por meio dela, tornou-se produtor artesanal de cerveja desenvolvida com matéria-prima natural da Mata Atlântica, sobretudo o próprio cambuci.

“A terceira receita que eu fiz deu tão certo que eu entrei pra Rota do Cambuci. Já tem uns sete anos. Minha produção fica aqui em Bertioga, onde eu moro. É bem artesanal: fermentação e levedura selvagem em uns panelões. A gente trabalha principalmente com cambuci, mas também jussara, gabiroba, grumixama, pitanga preta, araçá. Tudo endêmico da Mata Atlântica”

Mais que comercializar, explica Cristiano, o objetivo é disseminar o potencial das frutas alimentícias naturais da Mata Atlântica e a possibilidade de explorá-las sem degradação do bioma.

“Resta muito pouco da Mata Atlântica e, se a gente não cuidar, acaba. Então, o objetivo é mostrar pras pessoas que existem esses frutos. As pessoas não conhecem. É aquela história, é o grãozinho de areia. Não só eu como os outros produtores, quando a gente vai pros festivais, a gente consegue conversar com muita gente. E a maioria não conhece. Então é legal você passar essa ideia. As crianças, elas chegam, quando podem consumir, por exemplo, o sorvete de frutos da mata atlântica, elas experimentam. Às vezes, chega até a emocionar”, confessa o produtor que tem planos de expandir a cervejaria mantendo a produção artesanal.

“É fazer a prosperidade acontecer com a preservação. Fico feliz de poder estar participando da construção dessa quebra de paradigma”, diz Menezes, que complementa. “A vida não se sustenta sem floresta ou com monocultura. A lógica da vida é a biodiversidade que se sustenta nela e a educação é mais importante que a economia nessa mudança de mentalidade. A economia é importante, mas ela por si não muda a visão de mundo das pessoas”.

Gabriel Menezes, geográfo e executivo do Instituto Auá Menezes - Sem cortar uma árvore, produtor de Bertioga desenvolve bebida de fruto natural da Mata Atlântica Homem com diversas mudas ao fundo (Imagem: Gabriel Menezes)

Pequenos produtores como os envolvidos na Rota do Cambuci são fundamentais para a preservação do bioma, explica Guedes Pinto. "Ela [pequena produção] tem uma relevância não só econômica, mas também social e ambiental porque tem uma vocação de ser uma produção mais sustentável por ser feita numa escala menor. Os dados do Censo Agropecuário de 2017 mostram que a agricultura familiar responde por 23% do valor da produção agropecuária nacional. É muita coisa, quase um quarto”.

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Além disso, complementa ele, a agricultura familiar emprega a maior parte dos trabalhadores rurais do Brasil. “70% dos empregos, da ocupação da mão de obra, estão na agricultura familiar. Ela tem um papel muito importante para a produção de alimentos localmente e também para a subsistência de muitas populações vulneráveis”.

Frutos de cambuci e cervejaria de produtor de Bertioga à base do fruto Cambucis e cervejaria - Sem cortar uma árvore, produtor de Bertioga desenvolve bebida de fruto natural da Mata Atlântica (Imagens: Cristiano Lanza)

Na avaliação dele, a pequena e a grande produção podem coexistir, ambas sem degradar o bioma. “A gente precisa da floresta pra sobreviver, pra regular o clima e pra ter água. A gente precisa da floresta pra ter saúde, pra evitar novas pandemias e pra controlar as pragas e doenças das culturas agrícolas. E, no Brasil, cabe tanto a agricultura de pequena escala como a de grande escala, e todas elas devem ser sustentáveis, conservar a biodiversidade e também contribuir pro desenvolvimento do país. É possível termos agricultura regenerativa, restaurando os ecossistemas, sem uso de agrotóxico, conservando o solo. A gente tem tecnologia pra isso”.

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