DIA DOS POVOS INDÍGENAS

Aldeias indígenas do litoral de SP ainda enfrentam dificuldades econômicas e de acesso à terra

Especialistas explicam que há processos de reconhecimento de terras que se arrastam por quase 20 anos e que aldeias dependentes do turismo estão sujeitas às oscilações da atividade na região. Para cacique, além de meio de subsistência, turismo nas aldeias tem função educativa

Thiago S. Paulo
Publicado em 18/04/2023, às 14h33 - Atualizado às 16h05

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Luta marcial Huka-Huka na Aldeia Afukuri da etnia Kuikuro Kuikuro - Guaranis da aldeia Rio Silveira abrem as portas de seu território no litoral de SP em celebração ao Dia do Índio - Imagem meramente ilustrativa: Reprodução / Prefeitura de Bertioga / FIB
Luta marcial Huka-Huka na Aldeia Afukuri da etnia Kuikuro Kuikuro - Guaranis da aldeia Rio Silveira abrem as portas de seu território no litoral de SP em celebração ao Dia do Índio - Imagem meramente ilustrativa: Reprodução / Prefeitura de Bertioga / FIB

As mais de duas dezenas de territórios indígenas no litoral de São Paulo ainda esbarram em dificuldades econômicas e de acesso à terra, explicaram indigenistas em entrevista ao Portal Costa Norte.

Segundo os últimos dados do IBGE, com quase 42 mil pessoas autodeclaradas indígenas, o estado de São Paulo concentra a oitava maior população indígena do país. Desta população, mais de 1 em cada 10 vive no litoral paulista – grande parte em territórios indígenas.

Entre as principais dificuldades dos povos originários do litoral e de fora dele estão os processos de regularização fundiária, avalia Marcos Cantuária, sociólogo e chefe da divisão Técnica da Coordenação Regional do Litoral Sudeste da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

Um dos fatores que dificulta a regularização é a lentidão dos processos de homologação de territórios, explica o indigenista Márcio Alvim, Chefe da Coordenação Técnica da Funai em São Paulo. “O processo de demarcação é demorado, subordinado às oscilações políticas. A homologação da Aldeia Ribeirão Silveira se arrasta há 18 anos”, exemplificou o servidor, que coordena a relação da Funai com a aldeia na divisa entre Bertioga e São Sebastião.

Uma das maiores aldeias do litoral com cerca de 500 indígenas, a terra Ribeirão Silveira tem no turismo sua principal atividade econômica e, por isso, fica à mercê da sazonalidade da atividade, pontua Alvim. A vulnerabilidade econômica da aldeia em períodos de baixa temporada é exemplificativa das dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas no litoral paulista, explica ele.

“De maneira geral, essas comunidades têm sobrevivido mediante sua própria estrutura organizacional. Ocupam-se basicamente da confecção de artesanato. Dessa forma, o padrão de consumo fica limitado pela renda que [eles] obtêm a partir desta prática, tendo que considerar que [as aldeias] ficam submetidas às épocas de alta temporada e às visitas de turistas para praticarem as suas vendas".

Além de meio de subsistência, o turismo tem função pedagógica, explicou o cacique da aldeia Ribeirão Silveira, Adolfo Wera Mirim, durante o Dia dos Povos indígenas de 2022. “Sempre tem evento programado com visitação. O ano inteiro, na semana. Intercâmbio com os povos indígenas aqui. Esse passeio na trilha, ver a questão da parte ambiental da aldeia. E não é só festa. É luta e resistência. É importante por causa da resistência dos povos indígenas, o povo originário do Brasil. É pra mostrar pra sociedade que os índios existem. Existem aqui em Bertioga, em São Sebastião, e o movimento de luta continua. A sociedade precisa saber que existe um povo indígena aqui”. A reportagem não conseguiu contatá-lo neste ano.

Luta marcial Huka-Huka na Aldeia Afukuri da etnia Kuikuro Kuikuro - Guaranis da aldeia Rio Silveira abrem as portas de seu território no litoral de SP em celebração ao Dia do Índio (Imagem meramente ilustrativa: Reprodução / Prefeitura de Bertioga / FIB)

Populações indígenas paulistas em crescimento

Aferidos há mais de uma década pelo Censo do IBGE de 2010, os últimos dados oficiais das populações indígenas brasileiras podem estar defasados. Consultada via assessoria, a Funai informou não haver dados oficiais mais recentes. Após sucessivos atrasos desde a gestão federal anterior, a divulgação dos primeiros resultados do Censo 2023 está prevista para o final deste mês.

Os indigenistas ouvidos pela reportagem apontam que a estimativa no estado é de crescimento da população indígena. “Os dados referentes ao contingente populacional das aldeias são relativamente variáveis, pois as aldeias mantêm entre si estreitas e intensas relações políticas, econômicas, religiosas e matrimoniais, havendo constantes deslocamentos dos índios de aldeia para aldeia. No entanto, a população das aldeias está crescendo. Na Grande São Paulo, por exemplo, acredito que a população atual seja de cerca de 70 mil indígenas. A tendência é de crescimento”, afirma Alvim.

Ele explica que além do crescimento vegetativo, o aumento pode estar relacionado a um acréscimo de indivíduos que se autodeclaram indígenas nas pesquisas censitárias.

“No geral, há estabilidade no crescimento populacional em toda a jurisdição da Funai no litoral do sudeste, apenas com maior natalidade entre os Guarani Mbyá”, esclarece Cantuária. Segundo o sociólogo, predominam no litoral paulista os grupos étnicos Guarani Mbyá e Tupi-Guarani-Nhandewa. 

Modo de vida nas aldeias da costa paulista

Cantuária explica que o modo de vida nas aldeias indígenas do litoral paulista segue padrões históricos, culturais e da organização social de cada grupo. "Além disso", pontua ele, “há questões atreladas ao relacionamento com o Estado, como o acesso à prestação de serviços públicos e a financeirização da vida (obrigações financeiras, endividamento e afins)”.

Índigena da Aldeia Ribeirão Silveira com pintura tradicional durante Festival Indígena de Bertioga Capa - Guaranis da aldeia Rio Silveira abrem as portas de seu território no litoral de SP em celebração ao Dia do Índio Índigena com pintura tradicional no r (Imagem: Divulgação FIB / Prefeitura de Bertioga)

Apesar de certa assimilação, Alvim destaca que a espiritualidade é central nas aldeias. “A religião ocupa um papel especial em todas as esferas da vida social dos Guarani. Eles manifestam sua vivência religiosa através da reza e rituais sagrados, de forma coletiva ou individual, ou seja, contando com a participação de toda a aldeia ou apenas de um grupo ligado a uma casa”.

Parte dos territórios indígenas do litoral ainda não foi reconhecido

Enquanto os dados populacionais do IBGE são de 2010, os dados dos territórios indígenas do órgão são mais atuais, de 2019. Segundo os números do órgão federal, no litoral paulista são 15 terras Indígenas oficialmente delimitadas. Além delas, há 27 agrupamentos indígenas e 19 localidades indígenas não setorizadas -  que são as etapas preliminares do reconhecimento dos territórios.

Território Indígena Piaçaguera, em Peruíbe Terra Piaçaguera - como o marco temporal afeta as terras indígenas no brasil e no litoral de SP? (Imagem: Reprodução / Carlos Penteado - CPISP)

Segundo dados da Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP), ao todo, o litoral de SP concentra 21 territórios reclamados por povos indígenas, que vão de situação fundiária homologada a ainda não reconhecida. Dezoito destes 21 territórios estão exclusivamente no litoral. Os outros três têm parte em território litorâneo e parte fora.

Territórios indígenas no litoral de São Paulo

Fonte: Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP)

Iguape tem cinco territórios dos índios (terra indígena Tekoa Itaoka Icapara 2, Pindoty Araça Mirim, Ka'aguy Hovy, Guaviraty e Paraíso, todas com população Guarani Mbaya).

Cananéia também tem cinco territórios (terras indígenas Tapy’i Rio Branquinho, Pindoty Araça Mirim, Pakurity, Mbutuy e Guaviraty, todas ocupadas pelo povo Guarani Mbaya).

São Vicente tem quatro territórios (terras indígenas Tenondé Porã,  Rio Branco e Guarani de Paranapuã Xixová Japuí do povo Guarani  Mbya e terra indígena Aldeinha do povo indígena Tupi-Guarani Ñandeva).

Mongaguá também tem quatro territórios (terras indígenas Tenondé Porã e Guarani do Aguapeú do povo indígena Guarani Mbya e terras indígenas Itaóca dos povos  Guarani Mbya e Tupi-Guarani Ñandeva).

Itanhaém tem dois territórios (terras indígenas Tangará, Rio Branco e Nhamandu Oua do povo Guarani Mbaya).

Peruíbe tem dois territórios (Piaçaguera e terra indígena Peruíbe, ambos ocupados pelo povo Tupi-Guarani Ñandeva).

Por fim, têm um território indígena as cidades de Praia Grande (terra indígena Tekoa Mirim do povo Guarani Mbaya), Ubatuba (terra indígena Boa Vista do Sertão do Promirim do povo Guarani Mbya) Bertioga e São Sebastião (terra indígena Ribeirão Silveira pertencente aos povos Guarani Mbya e Tupi-Guarani Ñandeva).

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