A democratização do livro e da leitura, a exemplo do que realizou em sua gestão na Academia Brasileira de Letras (ABL), será um dos focos principais de atuação do novo presidente da Biblioteca Nacional (BN), professor Marco Lucchesi. A posse de Lucchesi está prevista para o próximo dia 24, na sede da instituição, no Rio.
Em entrevista à Agência Brasil, Lucchesi disse que ficou emocionado quando recebeu o convite da ministra da Cultura, Margareth Menezes, no dia 30 de dezembro passado, para assumir a BN, quando estava há um ano na Itália. “O telefone me alegrou a tal ponto que eu interrompi o meu ano sabático e voltei correndo ao Brasil, porque esse amor pela Biblioteca Nacional é ilimitado e habita absoluta gratuidade, a vontade de servir à biblioteca e à retomada dos destinos do país de forma mais ampla e inclusiva”.
O presidente da BN quer continuar a missão de levar a leitura não só aos presos, quilombolas, comunidades carentes, aldeias indígenas, mas a toda a população brasileira. Uma de suas últimas experiências à frente da ABL foi visitar comunidades ribeirinhas da Amazônia, depois do Arquipélago das Anavilhanas, utilizando os Navios da Esperança da Marinha, que levavam remédios, médicos e instrumentos de exame. “E eu pedi que levassem também livros, porque livro é sempre um grande remédio, mas sobretudo em momento de pandemia, que é preciso trabalhar com sonho, com perspectiva”.
Lucchesi afirmou ainda que pretende ouvir todos os funcionários da instituição, que frequenta desde os 15 anos de idade. Ele costuma dizer que “desde que um presidente não atrapalhe a Biblioteca Nacional, a BN caminhará sempre muito bem, porque é formada por quadros maduros, responsáveis, republicanos, que se dedicaram a vida inteira à instituição, resultado da interação de muitas gerações”. Para o professor, trata-se de um trabalho técnico bonito, que merece todo o aplauso, inclusive pela resistência em diversos momentos. A presença dos grandes técnicos e funcionários ajudou a preservar e ampliar o grande acervo.
Lucchesi quer conversar ainda com os funcionários que se aposentaram, cuja participação considera muito importante porque se trata de um trabalho plurigeracional, com visões distintas, mas que sempre se acumularam. Manifestou preocupação com a preservação do acervo “que pertence ao Brasil e ao povo brasileiro e, também, ao planeta Terra”. É objetivo também ouvir todas as propostas e enfrentar os desafios que são importantes.
Um desses desafios consiste em trabalhar as demandas atuais do livro. A BN tem a perspectiva de depósito, catalogação, armazenamento, produção de metadados, conservação. No que se refere à preservação, em especial, serão abrangidos desde os livros físicos, em seus vários suportes, até os livros nascidos digitalmente. “Tanto livros físicos qunto digitais são igualmente desafiadores”, comentou.
A internacionalização da Biblioteca Nacional é outra meta de Lucchesi. Ele pretende ampliar as múltiplas relações da instituição, a oitava do gênero no mundo, não só no mundo ocidental, como no oriental. Ele destacou o fato de o Ministério da Cultura renascer, com o acolhimento e a democratização pelo novo governo. “Toda essa ideia de reconstrução transmite uma imagem que me parece muito grata. Estamos todos nós, brasileiros, em meio a muitas ruínas, e é preciso reorganizá-las, reconstruí-las.
A biblioteca digital contará com o apoio também da nova administração da BN. “Na defesa do infinito, a ideia é democratizar cada vez mais o acesso, com o compromisso de incluir a cidadania ao esforço democrático, o compromisso de ler o Brasil, ler o mundo, reconstruir o mundo e o Brasil”. O novo titular da Biblioteca Nacional disse que concorda com o ministro da Educação, Camilo Santana que afirmou que a escola em tempo integral constitui grande política não só educacional, mas de prevenção à violência. Para Marco Lucchesi, a educação e o livro são instrumentos para deter a violência, principalmente entre os jovens.
Na sua opinião, o Brasil nos últimos anos careceu de um projeto educacional profundo, sem invasão da fé com fins de instrumentalização, como foi visto recentemente. Houve falha na produção de interfaces necessárias a um projeto de justiça social, comentou. "Defender a República, a cultura, a ciência, a vacina, defender tudo aquilo que foi negado nesses últimos anos de treva e obscurantismo”.
Faz parte também dos projetos do novo presidente da BN promover encontros com crianças e jovens para conhecerem a instituição, criada há mais de 200 anos e que reúne acervo de cerca de 9 milhões de itens. Quando presidia a ABL, Lucchesi recebeu, falando em guarani, crianças da aldeia de Maricá. “Organizamos também um seminário, para que elas falassem sobre a própria cultura, em sua língua”. A ABL recebeu também visita de representantes do Instituto Benjamim Constant, de educação de cegos.
Na última semana, em época de férias, foram registradas mais de 3 mil pessoas em um único dia, celebrou Lucchesi. Reforçou que a ideia é trabalhar com a visita guiada, tornando a BN, mais antiga instituição cultural brasileira, um local acolhedor de novos visitantes, sobretudo estudantes que vivem em periferias e que, muitas vezes, se sentem intimidados pela beleza, pela opulência do prédio. Queremos que todos compreendam que essas casas são nossas, mas da sociedade brasileira, não pertencem a ninguém. Por isso ela se chama Biblioteca Nacional, biblioteca cidadã”.
“Essa biblioteca precisa ser fraterna, materna, cidadã”. Ao contrário do que ocorreu em julho do ano passado, quando recusou a medalha da Ordem do Mérito do Livro, concedida pela Biblioteca Nacional para personalidades que contribuem com a literatura, porque a honraria seria entregue também ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), apoiador do ex-presidente da República, Lucchesi afiançou que a distribuição de homenagens pela BN seguirá maior critério a partir de agora.
“Sem dúvida”. A BN possui uma Comissão de Ética, que deverá atuar com transparência, sem conflito de interesses, priorizando o mérito que se reconheça, “não importa onde esteja, de quem seja, de onde venha, se é de direita ou de esquerda. Não importa. A Biblioteca não é uma fábrica de produção de propagação ideológica. Ela é nacional, é republicana, de Estado e não de governo”. Por isso, no que depender de Lucchesi, o compromisso será, efetivamente, reconhecer as excelências, “porque esses sinais são muito importantes”. Deixou claro que o homem é um animal simbólico e cada sinal que ele produz significa uma direção, um compromisso. “Essa perspectiva mais litúrgica da instituição precisa ser preservada”, concluiu.
Edição: Graça Adjuto
Fonte: EBC Educação
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