A DUREZA DA FOME

Moradores coletam restos de ossos para fugir da fome no Rio

Moradores do Rio de Janeiro fazem fila para recolher pelanca e restos de ossos que antes eram recolhidos para alimentar cachorros; 19 milhões passam fome no Brasil, estima pesquisa, quadro é acentuado por desemprego e inflação galopante que afetam sobretudo os mais pobres

Da redação
Publicado em 30/09/2021, às 14h36 - Atualizado às 16h38

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População tentando pegar sobras de carne, no Rio de Janeiro Foto I - Moradores coletam restos de ossos para fugir da fome no Rio - Imagem: Domingos Peixoto - 28.set.21/Agência O Globo
População tentando pegar sobras de carne, no Rio de Janeiro Foto I - Moradores coletam restos de ossos para fugir da fome no Rio - Imagem: Domingos Peixoto - 28.set.21/Agência O Globo

Após a fila do osso em Cuiabá ilustrar a dimensão trágica da explosão da fome no Brasil, outro caso ganhou repercussão: nesta quarta-feira (29), uma reportagem do Jornal Extra mostrou uma multidão aglutinada para recolher restos de carne e de ossos de um caminhão no bairro Glória, na Zona Sul do Rio de Janeiro.

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De acordo com a reportagem, quando o caminhão chega às 10h, rapidamente uma fila se forma para recolher ossos e pelancas descartados por supermercados da cidade.

A disparada da fome no país, apontam estudos, está associada à crise econômica gerada pela pandemia e alta da inflação que corrói o poder de compra, sobretudo dos mais pobres - como a multidão que busca um pedaço de carne em meio a restos no Rio.

De acordo com dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) quanto menor a renda, maior a inflação. Para as famílias de renda mais baixa, o acumulado da inflação nos últimos doze meses até agosto alcançou seu patamar mais alto entre seis faixas de rendimento pesquisadas, 10,63%.

Fila do osso em Cuiabá, em julho de 2021 Fila do osso em cuiabá (Imagem: reprodução / web)

É o patamar mais alto desde 2016. Junto da inflação, o desemprego galopa. O índice do segundo trimestre deste ano aponta que 14,4 milhões de brasileiros estão desempregados.  

Tudo isso contribui para o grave quadro exposto pelos repórteres Rafael Nascimento de Souza e Gabriel Sabóia, do Extra. Uma desempregada de 48 anos, apontam, anda semanalmente até o ponto de distribuição para separar “osso por osso, pelanca por pelanca em busca de algo melhor para pôr na sacola".

Como ela, “outras mulheres, homens e jovens se amontoam em busca do restolho da carne e dos ossos”. São mães, avós, jovens e idosos na fila da fome.

Estima-se que 19 milhões de brasileiros estejam em situação semelhante à dos famintos do Rio de Janeiro. É o que apontam dados de 2020, do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).

População tentando pegar sobras de carne, no Rio de Janeiro Foto I - Moradores coletam restos de ossos para fugir da fome no Rio (Imagem: Domingos Peixoto - 28.set.21/Agência O Globo)

Em entrevista à Folha a respeito dos moradores na fila do osso no RJ, a nutricionista Beatriz Backman, da Rede de Mulheres Negras Para a Soberania e Segurança Alimentar, afirma que a questão da fome do Brasil é “crônica" e "estrutural”.

“Temos observado, desde 2014, um aumento nos níveis de insegurança alimentar. Com a pandemia, a gente percebe um agravamento da situação”, afirma a nutricionista, que complementa. 

"Precisamos resolver questões estruturais. É necessária uma melhora no emprego, na renda e na educação. O combate à fome não é feito com alimento de baixa qualidade”, diz.

A alimentação de baixa qualidade num nível extremo é sentida pelo motorista de 63 anos, condutor do caminhão em que uma fila de pessoas se junta para recolher sobras no Rio de Janeiro.

“Antes, as pessoas passavam aqui e pediam um pedaço de osso para dar para os cachorros. Hoje, elas imploraram por um pouco de ossada para fazer comida. O meu coração dói”, disse o homem à reportagem do Extra, e chorou, em seguida.

Com informações de Jornal Extra | Rafael Nascimento de Souza e Gabriel Sabóia

E Folha de São Paulo | Leonardo Vieceli, Constança Rezende, Renato Machado

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