VIOLÊNCIA E ABUSO

Bertioga ganha núcleo de atendimento a mulheres vítimas de violência e estupro

Na delegacia, psicólogas e assistentes sociais, entre outras voluntárias, devem atender mulheres agredidas e estupradas, além de mães de crianças submetidas a abuso sexual, a partir de setembro

Estela Craveiro
Publicado em 30/08/2018, às 14h31 - Atualizado em 23/08/2020, às 17h21

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Parte do grupo Pró-Mulher em frente ao espaço onde funcionará o núcleo de atendimento à mulher na Delegacia de Polícia de Bertioga - Estela Craveiro/JCN
Parte do grupo Pró-Mulher em frente ao espaço onde funcionará o núcleo de atendimento à mulher na Delegacia de Polícia de Bertioga - Estela Craveiro/JCN

Como a vereadora Valéria Bento (MDB) anunciou em primeira mão no programa Opinião, da TV Costa Norte, na segunda-feira, 27, a Delegacia de Bertioga ganhará um núcleo de atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e estupro e às mães de crianças vítimas de abuso sexual. Não se trata, ainda, de uma Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), reivindicação antiga da cidade. Mas, sim, de uma parceria da comunidade com o poder público que resulta de gestões da unidade bertioguense do Conselho Comunitário de Segurança do Estado de São Paulo (Conseg) e da determinação do recém-chegado Wanderley Mange, novo delegado titular do município.

Com a experiência de quem já trabalhou na DDM de Cubatão e faz parte do programa Homem Sim, Consciente Também, dirigido a homens agressores, ele se espantou com a quantidade de casos de violência doméstica que encontrou na cidade. Considerando todo tipo de prisão em flagrante, representam 50% dos inquéritos, que são instaurados quando se conhece autor do crime, como ocorre na maioria dos casos de mulheres agredidas por homens. Sem os flagrantes, representa 70%. De todos os boletins de ocorrência (BOs) feitos na delegacia, representam 20%, e apenas 5% dos casos de violência contra mulheres lá registrados têm autores desconhecidos.

Diante desse cenário, ele determinou que uma das salas de instalações anexas à delegacia, onde antes funcionava a Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran) e irá funcionar o departamento de identificação, para emissão de RGs, será reservada para o núcleo de atendimento a mulheres. Mange encontrou o espaço já reformado. Conta com a prefeitura para doação de parte do mobiliário necessário e para as instalações de telefone e internet. E se prepara para buscar o restante dos móveis e pelo menos um computador junto à iniciativa privada da cidade.

Pró-Mulher

Mas o delegado não tem pessoal para tocar o serviço. É aí que entra em cena a parceria com a comunidade, capitaneada por Eneida Maria da Cruz, vice-presidente do Conseg, do qual ela já fazia parte como membro desde a gestão anterior. As vítimas de violência e estupro e as mães de crianças abusadas serão atendidas por voluntárias, que estão se organizando por meio do grupo Pró-Mulher.

Recentemente fundado por Eneida em parceria com Valéria Bento, com a pedagoga e psicóloga Lucélia Terezinha Avelino, com Nildete Duarte, também membro do Conseg e da organização não governamental Boraceia Viva, e com Maria Guilhermina de Almeida, que já foi presidente do Conselho Municipal de Igualdade Racial, o grupo vem ganhando a cada dia mais adeptas.

Mange explica: “Quando as mulheres chegarem à delegacia para se queixar de violência ou abuso, serão atendidas, primeiro, pelas voluntárias, em ambiente com privacidade e discrição; só depois farão o BO”. E, detalha Valéria Bento, “não precisarão repetir tudo de novo para registrar o BO”. Esta é a maneira encontrada para contornar a exposição a que são submetidas as vítimas quando obrigadas a relatar o caso no balcão da delegacia, geralmente para investigadores do sexo masculino, que são maioria, e diante de quem estiver presente. Fator que, inclusive, contribui para a desistência de procurar a polícia por muitas delas.

Apoio aos homens

Mas esse atendimento diferenciado, por psicólogas, advogadas e assistentes sociais voluntárias, é apenas o primeiro passo do plano do Pró-Mulher e do delegado, conta Lucélia: “Nós pretendemos fazer treinamento de voluntárias; realizar ações preventivas com crianças e adolescentes, por meio de palestras, principalmente nas escolas, públicas e particulares, da cidade; e, em um terceiro momento, criar um grupo de apoio aos agressores”. Não só porque não basta livrar a mulher agredida do agressor, pois provavelmente ele irá agir violentamente com outras mulheres, mas também porque “eles são doentes, têm que ser tratados”, Eneida justifica.

Essa é justamente a filosofia do programa Homem Sim, Consciente Também, lançado em 2014 pela DDM de Diadema, na Grande São Paulo, e replicado em muitas outras, inclusive na DDM de Cubatão, na qual Mange trabalhou antes de assumir o comando da Delegacia de Bertioga. O objetivo é, por meio de palestras e aconselhamentos com psicólogos, assistentes sociais e até sessões com preparadores físicos, fazer com que eles se deem conta dos gatilhos que os levam a agir violentamente e ganhem domínio sobre o descontrole emocional que, em geral, antecede a agressão física, sexual ou verbal a esposas e namoradas.

Crianças

A inclusão de apoio a mães de crianças vítimas de abuso no novo núcleo da delegacia decorre da constatação de que esse tipo de crime vem crescendo bastante na cidade, conforme observa Michele Russo, que trabalha no Conselho Tutelar de Bertioga e é uma das participantes do Pró-Mulher: “De junho de 2017 para cá aumentou o número de denúncias que recebemos pelo Disque 100 ou diretamente no Conselho Tutelar”. A maior parte dos casos envolve menores de 14 anos, dos quais 80% são meninas. E a maioria das pessoas que cometem abusos são homens muito próximos das famílias das crianças, quando não integrantes delas.

Delagacia da Mulher

Muito bem vinda, essa iniciativa de atendimento humanizado às vítimas de violência e abusos em Bertioga não exclui a luta para que a cidade tenha sua DDM, reivindicação antiga do Conseg, de Valéria Bento, do delegado Sérgio Nassur, que antecedeu Mange, e de outras personalidades do município. A despeito de o próprio secretário estadual de Segurança Púbica, Mágino Alves Barbosa Filho, ter aconselhado ao Conseg, no fim de 2016, a criação de uma casa de acolhimento de mulheres, já que o estado não tinha capital e nem recursos humanos para isso, Udo Stellfeld, presidente do Conseg de Bertioga, acaba de enviar novo ofício a ele, com a velha solicitação. Enquanto isso, de acordo com Mange, o núcleo de atendimento à mulher, espécie de embrião da casa de acolhimento sugerida por Mágino, deve iniciar operações em setembro.           

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